segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

FÉRIAS

Sinto-me impaciente confinada neste avião. uma súbita onda de calor me alcança. É como se tivessem ateado fogo ao meu pescoço. Maldita menopausa. Do meu lado uma moça dorme e a invejo, pois não consegui dormir um minuto sequer no decorrer da noite.

Cheguei aquele estágio em que o tempo de voo, mesmo curto, é um suplício. Gostaria de operar a mágica de fechar os olhos e abri-los no segundo seguinte no destino da viagem.

Helvécio lê, vasculha o celular. Parece alheio a minha presença. Nem tenho vontade de puxar assunto. Estou sem repertório. Não preparei uma pauta.

Os pés estão inchados, tenho fome, mas não de comida de avião. Penso em filé com fritas. E penso no Guilherme.

A ausência de notícias  é angustiante. Sei que ele está bem, que nem de longe imagina que eu sofro como se tivessem me tirado uma criança de colo. Eu queria que ele ainda fosse um menino. Reconheço: não tanto por ele, mas por mim,  pois assim ainda seria jovem, cheia de vitalidade e estaria sonhando com a vida, que na realidade, desafortunadamente não vivi.

O avião começa a descida. Dentro de instantes estaremos em Guarulhos para aguardar a conexão.. Ah! Guarulhos... Que bela travessura vivi nesse lugar em que vidas fazem pontes para infinitos destinos.

Sei que tem uma cidade bonita me esperando, com promessas de mar e sol. Mas agora meu desejo era apenas deitar no conforto da minha cama e dormir. Definitivamente perdi o viço, as expectativas.

As férias começam assim: melancólicas.


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

QUERIDA AMIGA





Parece que foi ontem que vimos 2013 retirar-se obscurecido por uma chuva de cores explodindo no ar pelos céus do Brasil. Dentro de algumas horas veremos 2015 chegar e parei para pensar no ano que vai terminando e em tudo que aconteceu.














Lembra? Você desejou que em 2014 meus dias fossem como o último dia de 2013. E não é que foram? No amor, olhares cúmplices, muitos filmes, horas sem fazer nada, conversa fiada, saídas eventuais, um jantarzinho aqui outro ali, banhos de cachoeira, almoços com a família, cafezinhos no shopping e pequenas, mas quase orgias sexuais ...

Obrigada pelas dicas sugeridas, claro que ainda não consigo executar certas posições, elas me custariam a vida ou pelo menos uma paraplegia. Sei que você deve estar gargalhando e daqui também dou risadas que é o que mais gosto de fazer contigo, minha única e verdadeira “Barbie Alegria”.












Nessa retrospectiva, lembro os dias de férias em Floripa, com aquela esticada ao Rio, onde pela primeira vez pude ver que o Carnaval é realmente o maior espetáculo da terra. Aquela exuberância de cores e movimentos. E não é que infamemente falando, “vi a Mangueira entrar”? Agora sou cada vez mais “verde e rosa”.









Ainda falando de amor, quando eu já havia desistido, no meu aniversário ele finalmente me colocou uma aliança no dedo.
Pela primeira vez, em outubro, sem que eu tivesse de lembrá-lo, passamos  aqueles dias incríveis de mar e calor no Caribe para celebrar 29 anos de vida em comum.
Será que vestir branco, tomar banho de sal com arruda, comer uvas e guardar sementes de romã foi responsável por tudo isso? Pelo sim, pelo não, hoje, 31 de janeiro de 2014 vou repetir o ritual. Quem quer brincar com a sorte, não é?

E o que dizer do sossego depois de ver os meninos se acertarem, colocando  os pés no chão,  buscando o caminho para uma vida de sonhos, mas com estrutura de realidade? Acho que nem eles imaginavam que seria tão simples,  ao mesmo tempo tão doloroso aprender que nada vem de graça, e que sem esforço e dedicação, as conquistas não têm o mesmo sabor. Agora caminham com as próprias pernas e embora possamos dizer que é quase um engatinhar, já durmo tranquila, pois finalmente, sei que eles vão fazer acontecer.



Fecho os olhos e sinto saudades de todos os nossos encontros, as saidinhas para o shopping, as conversas e as risadas que ficam ecoando em mim, como uma trilha sonora chiclete.  Falando em música, meu ano foi uma mistura de Cole Poter, Cazuza, Capital, Ney Matogrosso, e aquelas músicas breguíssimas do BBB.

Aliás, nem me fale em BBB, pois até agora não me conformo que o público tenha dado a vitória àquele “caipira pop funk arrocha”, ao contrário de premiar aquele gay super divertido.  Eu te falei: aquela coisa de sunga branca na piscina ia decidir o jogo. Aliás, começaram as chamadas para o BBB 15 e eu já assinei o Pay Per View. Foda-se se é subcultura. Diversão não tem que ter selo da Academia Brasileira de Letras.

Falando nelas, as “letras”, consegui cumprir minha promessa de ler toda a obra de Eça de Queiróz. Agora estou relendo pela terceira vez, “Os Maias”.











Mas pode ficar tranquila, não vou me trancar no quarto e repetir pela milésima vez a minissérie. É que histórias de amor sempre me interessam, como as cartas de amor, elas são ridículas. (Fernando Pessoa não poderia ter escrito nada tão certo).



Ridícula também estive eu no Natal. Nem te conto: foi perda total. Juliana conseguiu mesmo me viciar em espumante. 
Foi uma beleza passaro Natal com a família, em Minas, em Araguari, cidade onde nasci e que comecei a olhar com olhos especiais, afinal, lá estão as memórias de meu irmão, e hoje percebo quantas coisas boas compartilhamos. Apesar da distância física e afetiva que sempre pensei haver entre nós, foi com ele que aprendi coisas como gostar de pistache, de cinema e a ter uma boa dose de cinismo. Mamis continua firme, quase chegando aos 88  a gente cruzando os dedos para que ela cruze a linha dos 100. Estava muito alegre e acredita? Tirou o Sebastião de novo no amigo oculto.



Amiga, mal consigo acreditar que finalmente equilibrei as finanças e que graças àquela ideia de cofrinho, acabei poupando e já vislumbro nossa tão sonhada e ansiada viagem para a Disney. Se você amarelar, juro que vou subir no banquinho.

Sei que você fica meio brava, mas sinto muita alegria de ter feito novos amigos em 2014. OK, você tem ciúmes, mas pense, são pessoas com as quais já demos boas risadas e que de alguma forma oxigenaram nossa vida. Como diz uma dessas amigas, “cachorro velho não aprende truque novo” e a gente já estava repetindo piadas. Aliás, Marina já marcou comemoração pelo primeiro ano de retorno ao Brasil.

Enquanto escrevo fico escutando o burburinho intenso de Copacabana. E já estou chorando desde já – sim, que novidade, afinal vivo chorando - pensando que em poucas horas vou contemplar pela primeira vez os fogos e me integrar àquela imensa multidão lá fora. Tenho muito para agradecer, em especial pela minha saúde. Relutei anos para aceitar que atividade física faz bem para o corpo e a mente. Hoje já consigo me olhar no espelho sem sentir vergonha de todo o corpo despencando, nadar me fez muito bem. E preciso te agradecer por ter me acompanhado na primeira etapa, caminhando comigo, até que me sentisse pronta para sonhar com movimentos mais complexos. Vou usar um short branco, comportado, claro, mas já é um avanço para quem estava a um passo de vestir burca.

O tempo passa rápido, é demasiado veloz, ao contrário de quando tinha quinze anos, hoje fico pensando que as horas e dias deveriam correr em ritmo mais lento. Tenho tantos planos, tantos sonhos. Uma coisa é certa: parei de condicionar minha vida à realização do transplante. Ele pode estar pertinho, pode demorar, pode até não acontecer. A despeito de alcançar ou não esse patamar no meu tratamento, esse ano me ensinou que a vida começa no momento em que damos o start. Não é necessário esperar uma ocasião especial. Não dá para agendar data no calendário. A vida é pra já. Como diria a Graça: se a vida me chama, meu nome é “pronto”.

Desculpe estar falando tanto de mim, mas hoje me bateu esse narciso. Quando estiver agradecendo pelas minhas conquistas, pedirei a Deus que te conserve assim, que te dê em 2015, no mínimo o que conquistou em 2014: seu negócio prosperando, seus cabelos cada vez mais loiros, novas dietas loucas,  seu neto cada dia mais lindo, saudável, esperto, mas  vou pedir que você se convença que trabalho não é tudo na vida, que dinheiro é bom, que segurança é importante, mas que viver intensamente é que faz tudo valer a pena. 

Sinceramente? Vou agradecer muito por ter você na minha vida, por ter uma amiga que sempre me dá razão, que enche minha bola, que nunca acredita nos meus erros, que mente descaradamente para não me magoar e que sobe no banquinho cada vez que alguém fala qualquer coisa de mim.

Sim, passei o ano de 2014 agradecendo a Deus. Lembra que te disse que precisava reforçar minha religiosidade? Resolvi que a fé independe de qual igreja você frequenta, por isso andei pelos palcos cristãos, evangélicos, espíritas e já ando de olho no Budismo. É bom ter diferentes rituais.

No mais você sabe, o ano foi aquilo de sempre: picos e vales, decepções na política, gente cada vez mais impaciente, tecnologia demais e abraços de menos, fúria no trânsito, muita aspereza e menos gentileza. Mas assim como Lulu Santos, “eu vejo um novo começo de era, de gente fina elegante e sincera, com habilidade, pra dizer mais do que não.”

Agora vou me deitar. Como diria Adriane, vou me dar ao luxo do “sono da beleza”, antes de mergulhar na multidão de gente que espera 2015 chegar.


Aproveite sua noite, e como eu, feche os olhos e imagine todas as incríveis e inacreditáveis coisas que nos esperam, na vida louca para nos mimar. Sobretudo, pense que poderíamos não ter tido nada, mas que já valeu a maravilha de ver nossos caminhos se encontrar. E vamos entoar hinos como: “valeu a pena, ôôô...”
E desejar que hoje e amanhã o nosso dia termine bem. Vamos apostar as fichas na fantasia, em despojamento, em dar, sem esperar muito de volta. Vamos simplesmente viver.  E se possível, "pegar mais de um milhão de vaga lumes por ai." 

“Tamo junto”.

Com amor.


Ana Maria

domingo, 11 de agosto de 2013

PAI, AQUELE ABRAÇO!!!!


Hoje muitas famílias estarão reunidas em torno de mesas alegres, celebrando seus pais. Filhos estarão refletindo como são parecidos com seus “coroas”, jovens pais vão curtir seus filhotes, fazendo projeções de como serão quando crescer, outros vão acariciar barrigas, sonhando com o momento em que poderão ter nos braços seus bebes. Haverá  famílias que não terão o que comemorar: ou não têm pais que valham a pena, ou têm filhos causadores de muita dor. Em alguns lares as “pães” serão o centro das atenções. Elas receberão o carinho por terem sido pai e mãe. Há aquelas mães que vão internamente reivindicar o dia como seu,  e que ilustram a frase do Facebook que diz: “Hoje é o dia do: pede pra sua mãe”.

Muitos vão celebrar o dia, mas seus corações estarão apertados, pois tiveram ótimos pais que foram embora muito cedo. É o meu caso. Quando meu pai se foi eu tinha nove anos. Lamentavelmente o vi partir. Presenciei seu último suspiro. Eita ausência que dói! Você passa anos se perguntando: por que Deus fez isso? Por que me castigou?

Evoca seu pai tantas vezes, pede ajuda para suas dúvidas pueris, outras vezes fica diante de enrascadas e pede, pede por um sinal. Mas o sinal não vem. Ou talvez você não seja exatamente boa em decifrar sinais. Ou pior: talvez você não tenha fé suficiente para receber a resposta. Ou quem sabe: tem fé demais e acaba refém da sua crença.
E quantas vezes você imagina: que tipo de vida teria tido caso seu pai tivesse ficado mais tempo? Teria feito outro curso? Teria trabalhado em outras áreas? Teria casado melhor ou pior? Teria tido embates, seria cordata? Enfim, quem perde um pai nunca abandona a fase dos por quês?

O pai que vive na minha imaginação é perfeito. Ele seria o porto seguro ao qual recorreria quando a mente nublasse sem encontrar soluções. Seria o avô coruja, mas também o que indicaria caminhos. Seria o portador frequente de boas novas. Na verdade, meu pai era leve, alegre, brincalhão. 

Pouco tempo antes de morrer, ele me proporcionou um dia inesquecível. Levou-me ao Centro Administrativo, local que concentrava as inúmeras repartições públicas de seu tempo. Apresentou-me aos seus amigos, sempre estufando o peito de orgulho e falando: “essa é minha caçula, Aninha”. Era um sem fim de pessoas que vinham cumprimentá-lo. Depois me levou para almoçar no “Grego”. Um dos poucos restaurantes de Goiânia à época, onde o prato principal era frango assado. Na sequência comemos pudim no carrinho da esquina da rua quatro com a Anhanguera. O melhor: fomos a uma loja comprar minha boneca Susi, a “Barbie” do meu tempo.

São poucas as lembranças que tenho e rezo todas as noites, pedindo a Deus que me permita encontra-lo ao menos nos sonhos, mas ele nunca aparece. De toda forma, sinto a presença dele de uma maneira que não saberia explicar. Pode ser delírio, mas eu acredito que ele está de olho e que se não mudou o rumo de algumas escolhas erradas é porque sempre defendeu o livre arbítrio.

Olha pai, depois que você se foi eu fiquei um bocado perdida. Meus irmãos, bem mais velhos, não assumiram o seu papel. Na verdade, eles passaram um bom tempo me ignorando. Eu diria que, em alguns momentos, foram até cruéis. Mas quer saber? O tempo me ensinou a entender que eles também ficaram um tanto perdidos depois que você partiu. E convenhamos: eles estavam começando novas etapas da vida e eu era apenas uma pirralha com a qual eles não tinham afinidade. Era a caçula, a garota no meio de um universo masculina. Uma garota, e garotas são garotas.

Roberval, que também foi embora e deve andar contigo por ai, me ensinou que os “brutos também amam”. À sua maneira, ele tinha um jeito peculiar de afeto. Antes de ir embora até disse que me amava e me chamou de Aninha.

Brasil passou tempo demais se levando a sério. Mas hoje ele é como me lembro de você, pai. Aquele que perde o amigo, mas não perde a piada. Nas suas constantes críticas eu sou capaz de ver um homem que cuida e que ama, embora não verbalize os sentimentos.

Mas quer saber, pai? Minha mãe fez direitinho o seu papel. Ela foi incansável na tarefa de fazer de mim, uma mulher de valor. Se eu não atingi o nível máster a culpa é minha, sempre cheia de perguntas, de sensibilidades, de mulherzinha, papel que ela nunca desempenhou. Ela é prática. Ela não amolece nem na hora do carinho. Suas mãos são pesadas e ela fala “eu te amo”, ao tempo em que te enquadra e te empurra e diz: “você não vai fraquejar”. Ela é do tipo que segura forte, que está sempre lembrando as facilidades que tive, enquanto ela precisou ralar tanto. Mas é a primeira a me socorrer quando preciso. Além de mãe e pai, construímos uma relação forte de amigas, de companheiras e a distância física nunca impediu nossa cumplicidade.

Eu não tenho uma foto sua nesse momento. Sei que era baixinho, tinha uma pele alva, pés gordinhos como os meus e uma risada sapeca, acompanhada de olhos apertadinhos.

É, pai, nunca vou saber se fui aprovada como filha, mas você, onde quer que esteja, pode ficar certo, foi um pai nota mil.

Não sei como funcionam as coisas por ai, na sua dimensão, mas tenha certeza que na minha secreta comemoração, seu dia dos pais terá prosa e purpurina, terá um coração batendo forte por ti e o respeito e admiração sem fim.  

Te amo, pai. Sempre te amarei. Vê se hoje me dá um abraço apertado e sussurra no meu ouvido: “Aninha”.  

sexta-feira, 23 de março de 2012

"ATÉ UM DIA. ATÉ TALVEZ. ATÉ QUEM SABE"


Tive uma infância solitária. Irmã caçula de dois irmãos mais velhos, são nítidas as lembranças de uma vida entre adultos. Dessa época ficou a mania de falar sozinha,  de brincar no enorme quintal de casa e fazer daquele espaço um universo de fantasias.

Na adolescência, no entanto, a solidão foi atenuada pelas idas a Uruaçu. Cidade do norte do estado, onde morava minha tia Deolvira, irmã de meu pai. Ao contrário de minha casa, com poucas pessoas, a dela vivia em permanente burburinho. Havia os seis filhos e o desfilar frenético de parentes, amigos, conhecidos o que não permitia que houvesse rotina por lá.

Foi na casa de minha tia, que aprendi com minhas primas que a mistura de bicarbonato de sódio com suco de laranja podia se transformar em algo bem parecido com guaraná. Foi também nesse tempo que descobri que era necessário ficar horas com “bobs” na cabeça – cabelos ondulados não eram uma opção - para quem queria causar. Nesse tempo também submeti-me ao martírio de tirar as sobrancelhas, uma dor que nunca esquecerei.

Tia Deolvira vivia numa casa grande, com um quintal que terminava em um córrego. Na frente da casa ela mantinha uma loja e na calçada que dava para a rua principal passávamos horas observando o movimento de carros e pessoas. Minhas primas tinham muitos amigos. Uma delas era filha do dono do cinema, o que nos garantia passaporte para as sessões. Depois, sorvete no Anacleto e idas ocasionais ao Beira Rio, o bar da moda.

Foi em Uruaçu que fiz alguns ritos de passagem, como “flertar”, trocar o primeiro beijo e acreditar que aquele garoto de cabelos claros, olhos azuis, com feições de Jesus Cristo seria para sempre. Foi lá que aprendi que na falta de grana ou de opções de lazer, os meninos roubavam galinhas e a gente passava a noite comendo galinhada e rindo de coisas tolas. Em Uruaçu dancei pela primeira vez, conduzida pelo Carlos Alberto, namorado da minha prima Neide, que também nos levava a bordo de uma camioneta Ford C10, fazendo manobras arriscadas e assustando velhinhas pacatas que ficavam sentadas em frente à rua. Sempre que ele aparecia as pessoas sussurravam: “é o filho do Carradão”, com o sotaque peculiar da região, queriam dizer que era o filho “do Carlos Adão”.

Dessa época, mais que as aventuras, nascia a mais completa adoração pela minha tia. Eu intuía que graças a ela e ao seu acolhimento, teria  a oportunidade de experimentar uma vida de novidades, que em casa não seria possível vivenciar.

Nunca me esquecerei da comida farta, do seu carinho, da devoção aos filhos, da solidariedade com as pessoas, de seus braços sempre abertos para proteger aqueles que se socorriam dela. Minha tia tinha uma preocupação ímpar com a família. Viajava para lugares distantes apenas para visitar um parente e foi incansável nos cuidados com a “Vó Anjinha”.

Não me recordo de ocasião boa ou ruim que minha tia não estivesse presente nas nossas vidas. É impossível esquecer seu bom humor, a forma como fazia piadas de si, das piores situações, da sua força e resignação quando foi surpreendida pelo Parkinson. Como não admirar sua jornada de cuidados na doença do meu tio Neilton e seu amor sem limites pelos filhos, netos e bisnetos? Como uma fênix, estava sempre se reerguendo de uma perda, se refazendo, se reinventando e se amoldando à vida.

Adorava quando minha mãe, sem disfarçar o ciúme dizia: “você é igualzinha à sua Tia Deolvira”. Herdei dela as pernas grossas, o quadril largo, o cabelo rebelde e a inquietação de estar sempre em movimento, de agregar, de amar as pessoas e cultivá-las, mesmo que ao final, algumas delas se revelassem ervas daninhas.

Ano passado ela foi diagnosticada com um câncer raro. Fomos nocauteados pela noticia, sofremos em silêncio e recorremos às orações. Esse vilão não derrubaria a nossa guerreira, ela iria se reerguer, ela não nos deixaria órfãos do seu amor. De fato, ela venceu a batalha e apesar de todas as provações, superou a doença.

Infelizmente, no começo desse ano, quis o destino que o câncer reincidisse. A doença veio fulminante, avassaladora. De repente a nossa heroína estava ali, tombada, refém de uma força maior que ela não seria capaz de suportar. Mas ela lutou. Como lutou. Duas semanas atrás, sai de Brasília num domingo de tarde para vê-la. Embora abatida, com uma voz que mais parecia um sussurro, ela disse coisas lindas. Reiteramos o nosso amor, ela claramente se despediu. Mas a doença não lhe roubou a dignidade, a elegância, o humor. Sai de lá como quem não tinha mais chão. Passei todos esses dias com o coração apertado. Suando frio cada vez que o telefone tocava, com medo da notícia que ninguém queria receber.

No domingo, dia 18, fui visitá-la novamente. Ela já não tinha a mesma lucidez, estava visivelmente derrotada e só pude tocar sua mão, beijá-la e dizer que jamais a esqueceria. Helvécio, emocionado, me disse: “Ana, diga adeus, pois dificilmente veremos sua tia com vida outra vez”. E assim foi. Dois dias depois ela nos deixou.

Agora ela habita um universo paralelo, outra dimensão. Mas olhando-a no seu leito de morte, era impossível não ver na sua face serena a sensação de dever cumprido, de quem entregou-se ao descanso. Ela partiu sem nos deixar, afinal, quem poderá esquecer seus olhinhos apertados quando sorria, sua elegância, seu porte de rainha, sua capacidade de não se levar a sério?

Tia, apesar das adversidades, como vou esquecer você com todas as enfermidades me dizer que me doaria um rim? Como vou esquecer você dizendo que mais que seus sobrinhos, éramos como filhos prá você? Como vai ser todo dia 10 de abril sem te ligar? Como serão os aniversários sem a sua presença? Tia, como vou te esquecer?

Ontem, a Neide me disse que no domingo quando fui embora, você ficou chamando o meu nome. Isso me encheu de alegria, pois acredito que apesar de não termos trocado uma palavra, você me ouviu falar pela última vez que te amo.

Agora, só me resta dizer: Minha querida, minha adorada: “Até um dia. Até talvez. Até quem sabe”.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Cada Dia!

Minhas tardes de terça e quinta têm sido ocupadas por passeios ao Shopping Iguatemi. Não, eu não frequento a Tyffany, Gucci, Christian Louboutin ou as demais lojas de alta grife.
Me contento em andar e olhar roupas que não cabem em mim ou no meu bolso. Compro pequenos mimos, tento não sucumbir ao apelo de mais um sapato. Tomo café, como um sanduiche de rosbife com geleia de pimenta e mergulho no maravilhoso mundo “da Cultura”.

Na minha livraria favorita, esqueço as horas e viajo por lugares físicos ou emocionais por meio de milhões de páginas e palavras.

Saio da “Cultura” com livros que nem sempre leio, mas que compro pelo impulso de tê-los e torná-los uma espécie de projeto, de compromisso, de promessa, como aquelas que nos fazemos todo início de ano.

Há dias em que tudo que preciso é da superficialidade dos livros de capas coloridas, destinados a mulheres que querem apenas se divertir com leitura rasa, que cumpre o papel da abstração e nos coloca em contato com roteiros manjados, como em muitas ocasiões desejariamos viver.

Noutros dias, flerto com a densidade de José Saramago (que me confunde com sua literatura sem pontuação), tenho recaídas por Gabriel Garcia Marquez e Guimarães Rosa. Insisto com obras tão complexas que depois de vencidas 300, de suas 800 páginas, abandono, com a sensação de que minha inteligência não é para tanto. A sensação é que o autor escreveu em códigos que só podem ser decifrados por ele.

Aproveito também para aumentar meu acervo de filmes – sempre os já vistos, alguns, dezenas de vezes. Escolho as trilhas sonoras do percurso inevitável, rumo à diálise. Ritmos alegres, daqueles que ouço alto, como artifício para esquecer o destino que me levará para quatro horas nas quais de alguma maneira, minha vida parece parar, refém daquela máquina, ao mesmo tempo em que é renovada.

Depois volto para casa, respondo e-mails – quase todos dos alunos da PÓS – e fico elaborando novos capítulos, contando pedaços da minha vida, selecionando as pedras do quebra-cabeças que possam traduzir-me para minha única e verdadeira amiga virtual: Miriam.
Sobretudo, espero seus e-mails, como antigamente esperava pelas cartas que me conectavam aos amigos da adolescência. No último e-mail, ousei falar “phoda”, pisando em ovos para não assustá-la. Penso que ela também estava ansiosa por esse sopro de intimidade, já que escreveu “porrada”. Nesse ritmo, creio que não muito adiante poderei usar minha expressão libertadora: “puta que pariu”, que me serve nos momentos de raiva e de êxtase.

É claro que em casa também cumpro meu ritual de “Dona Sebastiana”. Ponho roupas para lavar, faço comida, preparo as instruções para a Conceição tocar a casa no dia seguinte. Sonho com uma nova decoração, tento colocar ordem no meu armário, certa de que essa é uma tarefa impossível e espero que o silêncio seja quebrado pela chegada do Helvécio e dos meninos, que passam por aqui feito passarinhos.

Nessa quinta,  o dia teve dose dupla de shopping. Primeiro almocei com a Vivi e a Iris no Boulevard. Depois, Iguatemi. Na próxima semana pretendo fazer um up grade na minha visita à “Cultura”: vou levar o notebook. Hoje, para escrever esse post, consumi o estoque de guardanapos do café.

Em tempo: quando tomávamos café no Boulevard fui atendida por uma moça chamada Ana Maria. Ao falarmos sobre a coincidência dos nomes, sua colega disse: “toda Ana Maria é bonita”. Ganhei o dia e quer saber? Acho que ela está coberta de razão.

Elisa Lucinda escreveu e a Vivi repercutiu: “parem de falar mal da rotina”. Então, tá...

“Dias, dias, dias!
Que iludem os que agem como senhores de sua sina.
E surpreendem vorazes as pessoas em desaviso.”

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A cada dia, um dia... Em vários dias, a vida...

“Cada dia os dias são diferentes e mexem com agente de um jeito;
 Com uma magia ou um terror...

 Se não é mal de amor e mau de humor
 Ou harmonia ou euforia ou tédio
 E os sentimentos se renovam e morrem...
 A cada dia um assédio...
 Ou do vento ou do sol
 Ou do amado ou do amigo
 E as risadas disparam às vezes sem motivo
 Ou  as lágrimas caem de torpor ou tristeza ou perigo.
 A cada dia, um dia.
 Em vários dias, uma vida.
 Quantos amores?
 Quantos sorrisos?
 Quantos lugares?
 Quantos abrigos?
 Os dias e as noites interagem alheios aos medos, aos horrores, ao
 desassossego.
 Como vivos, como lares contém o destino.
 Dias, dias, dias!
 Que iludem os que não agem
 Como senhores de sua sina.
 E surpreendem vorazes, as pessoas em desaviso.”

 (“A cada dia, um dia... Em vários dias, a vida”, por Súlzer Larissa Germano)

sábado, 18 de fevereiro de 2012

HELLO, AGAIN....

Faz tempo que não venho por aqui. Dia após dia, abri essa página para registrar as minhas impressões sobre a vida, sobre as alegrias e tristezas, sobre os acontecimentos, mas quase sempre me pareceu pretensioso falar de uma rotina que não faria sentido para ninguém, especialmente para mim.

Nesses quase dez meses em que não registrei uma única palavra no Blog, muitas coisas aconteceram. Boas, ruins, alegres, tristes, indiferentes, iguais. Hoje, premida pela solidão, por um estado de espírito que nem de longe se parece com o astral do carnaval, deu vontade de escrever, de visitar esse espaço, que afinal, é meu diário. Portanto, decidi subir a bordo de minha canoa e voltar a remar.
A primeira e óbvia coisa a dizer é que continuo na diálise. Houve a fase do completo e absurdo sofrimento, outra de resignação, aquela de achar que o tratamento nem era tão ruim e de regozijar-me com as visíveis melhoras. Depois, veio o inesperado uso de um cateter no pescoço, após uma cirurgia emergencial. Perdi a fístula e desci ao inferno com uma espécie de punhal cravado no pescoço que me mostrou com crueldade, como é duro passar quase três meses refém desse castigo. Mas pude descobrir, ao final, a alegria de tomar banho só, de lavar a cabeça e sentir a água escorrendo pelo corpo. Talvez a melhor sensação tenha sido a de poder sair à rua, sem ser observada como se fosse um ET.

Nos últimos dez meses fui incluída na fila de transplantes e, embora ocupe a posição 2.095, sinto a esperança de a qualquer momento ser agraciada com a doação de um órgão e ter de volta uma vida que me permita não ficar escrava da rotina que a diálise impõe.


Como a vida segue seu curso, participei de forma esfuziante do casamento de duas pessoas amadas: Juliana e Viviane. Tenho em conta que foram verdadeiros presentes, ver surgirem essas duas queridas, lindas como num filme, em seus vestidos brancos, com sorrisos que nunca se apagarão da minha memória.

Tornei-me uma “aposentada”, uma daquelas pessoas que ganham o direito a um soldo, sem ter que bater ponto em um estabelecimento. Nesse caso, sempre que possível, procurei viver como tal. Ir ao shopping de tarde. Pensar em cursos de artesanato, ter direito a atendimento preferencial e dormir quando dá na telha, ou quando a pressão cai e torna esse privilégio, uma necessidade.

Li dúzias de livros. Para confirmar a minha admiração pelo Uruguai, encontrei - pelas mãos da Vivi - o livro "A Trégua", que me ajudou a compreender muito sobre minha vida, seguindo o diário do personagem Martin Santomé.
Assisti incontáveis filmes, alguns adoráveis como: “Medianeiras” e “Minhas Tardes com Margueritte”, outros, descartáveis, mas nem por isso, desprezíveis. Viciei-me em novas séries, como Criminal Minds.
Aprendi a fazer pulseiras e até mesmo às vendi. Mudei a decoração da casa, pintei paredes, comprei sapatos e aprendi a gostar de café expresso, pelo simples prazer de usar esse ato para justificar a falta de companhia num passeio ao shopping.
Reencontrei amigas de infância (Shirley), da adolescência (Carla Soraya), da faculdade (Analvary) tudo graças ao mundo mágico do Facebook. Senti saudades de pessoas que apesar do tempo, teimam em assombrar-me com a força do passado. Fiz uma amiga virtual, chamada Miriam, que foi minha aluna na POSEAD e que me ofereceu ensinamentos especialíssimos, como se nossas vidas sempre tivessem estado grudadas. Discuti a relação com a Sol, trocando ofensas que se desmancharam no ar, pois esse tipo de amizade é para sempre, apesar das diferenças. Vivi com intensidade meu casamento – sem deixar de ir ao céu e ao inferno, pois viver a dois não é bolinho – sofri e me alegrei por meus filhos. Dia sim, dia não, o coração fica apertado e cheio das dúvidas mais cruéis sobre o caminho que eles seguirão e o quanto sou impotente para mudar o curso de suas vidas.
Viajei de férias. (aquelas no tempo que me coube ter) Fiquei estirada ao sol inclemente de Natal, olhando pela varanda o verde inacreditável daquele mar. Fechando os olhos e tentando reter aquela imagem e o som das ondas que por alguns segundos pareceu conduzir-me ao inalcançável mundo da perfeição.

Fui agraciada com a visita e inúmeras mensagens de carinho de ex-alunas(os), comprovando que o tempo de sala de aula foi um dos mais felizes de minha vida e sonhando que esse tempo possa me ser devolvido algum dia, pois tudo que desejo é acreditar que minha vida profissional esteja apenas fazendo uma pausa, esperando uma chuva forte, que vai passar.
Há dias em que estou inacreditavelmente feliz. Outros em que nada parece fazer sentido. Há dias em que fecho os olhos e ao abri-los, finjo que sou magra, rica, bonita e que a vida pode ser do jeito que eu quiser. Meu tempo, meus sentimentos oscilam entre o que posso e o que aspiro viver.
Como escreveu Marcel Proust, no livro Em Busca do tempo Perdido: “Alegam os poetas que, ao adentrar alguma casa ou algum jardim onde moramos quando jovens, reencontramos por um instante aquilo que já fomos. São peregrinações muito arriscadas, que produzem em igual medida sucessos e desilusões. Esses lugares fixos, contemporâneos de outros anos, é dentro de nós mesmos que mais convém encontrá-los.”  
Ou como cantou brilhantemente Elis Regina: “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas, aprendendo a jogar”.

 

sábado, 28 de maio de 2011

ABRINDO AS PORTAS DA ESPERANÇA

Na década de 80 ou talvez 90, o apresentador Silvio Santos tinha um quadro no seu programa que se chamava “As Portas da Esperança”. (Pode ser que não tivesse exatamente esse nome). No quadro, o apresentador contava a história de alguém que pedira alguma coisa muito importante para si. Eram pessoas querendo enxovais, cadeiras de roda, móveis.... A produção do programa procurava por empresas dispostas a atender ao pedido dos participantes. Silvio Santos falava do sonho – sim, quase sempre a pessoa estava no limiar do desespero – e pedia que as portas da esperança fossem abertas. Se o pedido fosse contemplado, por trás da porta estaria alguém e muitas vezes até o objeto do desejo. Em algumas situações não havia nada quando as portas se abriam. Assim como na vida, nem sempre os sonhos podem se materializar.

Enfim, não sou uma aficionada por Silvio Santos e esse post é para falar que nessa semana, uma fresta da porta da esperança se abriu para mim. Há uns cinco anos tive um ganho considerável de peso. O quadro começou com uma medicação e evoluiu com a baixa de auto-estima.

Como é de domínio público, desde o começo de maio estou fazendo hemodiálise. Não tem sido fácil, minha vida passa por mudanças significativas. Mas estou me ajustando e nas duas últimas sessões já fui dirigindo. Isso me deu a sensação de não ser tão dependente. Já consigo olhar a clínica na qual faça o tratamento de uma maneira menos hostil.

Nas primeiras sessões chegava por lá com a sensação de quem ia cumprir um ritual inútil e que tudo resultaria em dor e sofrimento. Enfim, como a vida está sempre nos mostrando: nada como um dia e outro e outro. A verdade é que caminhando para um mês de tratamento eu já experimentei algumas mudanças. A melhor delas foi abrir um armário com as roupas de cinco anos atrás e conseguir entrar em algumas. Foi uma emoção. São roupas simples, mas que representam um momento importante da minha vida. Eu estava feliz, confiante e o futuro parecia promissor.

Abrir aquele armário foi mais ou menos como abrir as portas da esperança e ter um desejo realizado. Deu-me ânimo e mais confiança. Agora consigo acreditar que talvez volte a ter meu peso anterior e que possa retomar a auto-estima. O tratamento é uma peça importante desse jogo. Os primeiros exames demonstram que a diálise já conseguiu expurgar boa parte das substâncias ruins que estavam morando dentro de mim. Ninguém acorda e agradece a Deus por mais um dia de diálise. Esse não é o sonho de consumo de nenhuma pessoa. No entanto, meu “Pollyana way of life” já dá mostras de que, a despeito da tristeza, da desesperança que experimentei ao receber esse diagnóstico minha vida poderá passar a outro patamar.

Já consigo olhar para mim sem autocomiseração e, acreditem, isso é muito! Cada dia que visto uma roupa do passado, tenho a sensação de colocar um pouco mais de cor no meu presente. Estou lendo um livro muito simpático chamado “Um Dia”.

O autor começa sua narrativa com uma poesia:

“Para que servem os dias?

Dias são onde vivemos.

Eles vêm, nos acordam

Um depois do outro.

Servem para a gente ser feliz:

Onde podemos viver senão neles?

Ah! resolver essa questão

Faz o padre e o médico

Em seus longos paletós

Perderem seu trabalho”.

(Philip Larkin, “Days”)

É mais ou menos assim. Na vida só podemos viver um dia de cada vez.