quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

"Quinta-feira de cinzas"


Eu vesti luto e preparei o espírito para enfrentar o feriado de carnaval submersa em tristeza. A solidão parecia um calvário, que sem alternativas, eu teria que suportar. Ao contrário do que preconizava minha inclinação natural para o drama, o feriado passou ligeiro. Ficar só foi "quase" agradável e quando a casa voltou a ser território de todos, eu me perguntei: por que os dias de solidão não podiam ter durado um pouco mais?

Entretanto, não estava preparada para essa “quinta-feira de cinzas”. Um dia modorrento que parece querer durar implacáveis “mil horas”.

Tudo que eu queria era ser aquela menina de tênis, vestido xadrez e mochila nas costas que vi passear pelo shopping. Acreditem, ela ousava sorrir num dia como esse e, vez ou outra, mordiscava a bochecha do namorado como se o tempo deles tivesse outra dimensão.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã".


A primeira lembrança que tenho dele me remete a sorvete de pistache. Eu não sei que idade tinha. Sei que nunca havia experimentado pistache, mas lembro que era verde e que era bom.

Lembro que ele sumia de vez em quando e que minha mãe chorava pelos cantos e que cochichava sobre seu destino. Lembro que ele era muito bonito, com seus olhos azuis faiscantes, feito os atores italianos da época.

Uma vez achei no quarto dele uma revista em quadrinhos com várias cenas picantes. Eu não fazia a menor idéia do que era sexo, mas naquele momento acendeu a luz vermelha. Aquilo não era para criança.

Ele me tratava com certa crueldade. Deixava sempre um restinho de água no copo e depois de beber, derramava em mim. Claro que eu sempre chorava e corria para a barra da calça do meu pai, aliás, eles tinham uma relação tensa. Uma vez eu o vi chamar papai de “judeu”. Eu não fazia a menor idéia do que era “judeu”, mas sei que a tensão se acentuou.

Lembro que ele trabalhava numa empresa chamada “Liquigaz” e que tinha um amigo baixinho chamado Tino e outro amigo bonitão chamado Mauro. Para nós ele era “Zé”, mas quando ficou noivo e foi se casar fiquei sabendo que seu nome era Roberval.

Seu casamento dividia os sentimentos. Enquanto meu pai se mostrava exultante, porque ele ia se casar com uma moça de boa família e que isso poderia “dar um rumo a vida dele”, minha mãe chorava. Achava que ele era muito moço e como ia se mudar para uma fazenda, ambiente com o qual não tinha a menor intimidade, aquela decisão era uma temeridade.

A moça de boa família era a Teresa – que foi sua mulher por toda a vida – ela era noiva de um amigo dele. Falava-se a boca pequena que ela se deslumbrara por ele e que rompera o noivado. Para mim aquilo parecia filme, mas era destino.

No seu casamento me vestiram com meias três quartos com “pompons”. Isso me inflou de ira – embora eu não tivesse a exata dimensão desse sentimento. Sei que a cerimônia civil aconteceu na casa da noiva e que ele demorou para dizer “sim” quando perguntado se “aceitava aquela mulher como sua legítima esposa”. Minha mãe respondeu por ele. “Sim”. E todos pareceram aliviados.

Pouco depois do casamento ele e a Teresa foram passar uns dias em Goiânia. E ai, pela primeira vez eu soube o significado da palavra “ciúme”. Ele recebeu uma cesta com rosas vermelhas e um cartão. Minha cunhada ficou louca. Ele atirou as flores no quintal e saiu. Ela se enfiou no quarto e tomou um porre de vinho. Nesse dia eu soube também o que um vinho – de má qualidade - pode fazer a alguém. Ela trancada e todos batendo, implorando que abrisse porque sabíamos que algo não ia bem. Horas de muita tensão.

Então, ele chegou. Magnânimo apenas bateu na porta e pediu: “Teresa, passa a chave por baixo da porta”. Ela obedeceu. E a cena que se viu depois foi bizarra e dispensa comentários. Calmo ele a jogou nos ombros como se faz com uma toalha, levou-a para o banho, lavou-a, secou seu cabelo, enquanto minha mãe limpava tudo. Depois ele a pôs para dormir como se fora um bebe. E ninguém disse uma palavra. Ou se disse o fez de forma silenciosa. Como, aliás, eram ditas as coisas na minha casa.

Há muitas coisas que poderiam ser ditas sobre o meu irmão. Ele não era um homem comum o que tornaria impossível a tarefa de traduzi-lo em palavras. Muitas coisas ficaram por dizer porque, infelizmente, a gente sempre pensa que haverá uma próxima vez. O que posso dizer é que passamos a vida, aparentemente alheios ao que sucedia ao outro. Eu me ressentia de não receber a atenção que julgava merecer, ele não era exatamente pródigo ao verbalizar seus sentimentos. Mas sabíamos intimamente, cada qual ao seu modo, da intensidade do nosso amor.

Tivemos alguns momentos que entendo como uma despedida. Um deles foi numa comemoração de dia das mães em que ficamos sentados à mesa e começamos a cantar. Ele gostava de música e de boa música. Depois, no natal de 2006. Ele ficou apenas um dia. Nessas ocasiões costumava gastar mais tempo com meu irmão Brasil, mas curiosamente pediu-me para levá-lo à rodoviária para comprar a passagem de volta. Fomos conversando e ouvindo um disco do Drexler. Eu lhe falei da viagem que fizera com a Vivi a Montevidéu e ele me disse bem ao seu estilo, que a música era boa.

Fazia muito tempo que não me chamava de “Aninha” e recomendou que eu me cuidasse. Nesse mesmo dia fomos, Brasil e eu, levá-lo para tomar o ônibus e pela primeira vez estávamos os três irmãos reunidos. Eu ali, me sentindo finalmente aceita no círculo restrito dos homens da família.

A última vez foi no aniversário de 80 anos de minha mãe, em março de 2007. Estava alegre e contrariando sua fama de rabugento com fotos, sorriu para todos os cliques. Eu estava triste. Era uma tristeza que não parecia ter explicação. Contou divertido para Helvécio – a quem chamava de “Paraíba” que tivera um sonho em que o diabo queria levá-lo. Eu cheguei quando a estória começava e ri quando ele reproduziu o diálogo hipotético com o demônio: “com você eu não vou” e abriu um sorriso largo.

Na saída nos abraçamos e eu perguntei a ele – que parecia não querer ir embora – quando finalmente iria à minha casa? Ele respondeu: “qualquer dia desses, mas você sabe só vou se for de TAM”. Eu disse: “Então te mando a passagem”. Ele riu e se foi.

Quando entramos minha mãe me disse: “seu irmão estava diferente. Ele até disse que me amava muito”. Súbito, 17 dias depois ele nos deixou. Quando veio o telefonema com a notícia era como se eu não conseguisse acordar de um sonho ruim.

Hoje ele faria 62 anos. Fizemos tantos planos para seu aniversário de 60...trocamos e-mails, minhas sobrinhas e eu, sobre onde seria, como seria e no final, bem, no final não aconteceu. Alguém disse que na vida é assim, você faz um plano, Deus faz outro.

É muito dolorido falar desse assunto. É impossível não chorar rios de lágrimas ao vê-lo numa foto, ou lembrar do seu sorriso. Mas ele era um homem pragmático e dramatizar uma homenagem seria uma afronta. Eu queria, portanto, lembrar-me dele com a música que nos pediu para cantar e que nós, Viviane, Eliane e eu, desafinadamente tentamos interpretar. Ele ria maroto quando perguntávamos porque gostava da canção. Sabe-se lá. De qualquer forma é uma bela canção.

É isso. Feliz Aniversário, irmão!


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Hollywood se rendeu a Sean Penn. Eu também!


Eu queria escrever algo descaradamente favorável a Sean Penn. Uma declaração de amor depois de tê-lo visto numa atuação brilhante no filme “Milk.”Afinal, durante muito tempo alimentei uma tremenda antipatia por ele. Sim, o big astro do cinema americano que ontem recebeu seu segundo Oscar como melhor ator. Não sou exatamente fã de Madona, portanto minha aversão não estava relacionada aos sopapos que deu nela durante o tempo em que estiveram casados. Ele apenas me parecia cínico demais ou charmoso de menos.

Em 1993 fiquei balançada. No filme “O Pagamento Final” levei um tempo enorme para descobrir que o advogado inescrupuloso de Al Pacino – o astro do filme – era Sean Penn. Achei impressionante sua capacidade de se transformar e incorporar o personagem daquela forma visceral. Entretanto, suas ótimas atuações em filmes como “I Am Sam”, “Os últimos passos de um homem” e “Além da Linha Vermelha” não abalaram minha convicção. Sean não era o astro que escolhi para chamar de meu.

Que sorte! A despeito da minha opinião - que, aliás, não afeta sequer a vida dos mais próximos a mim - Sean seguiu sua trajetória e enquanto eu torcia o nariz ele fazia ótimos filmes. Por exemplo: “Sobre Meninos e Lobos” que lhe deu o primeiro Oscar. E “21 Gramas, uma atuação magistral. Capitulei. Me entreguei completamente e não canso de me perguntar como fui capaz de ignorar o óbvio: Daniel Craig é lindo e musculoso. Tom Cruise tem um sorriso encantador. Clive Owen me faz perder o sono, mas Sean Penn é único.

Ao observá-lo mais de perto soube que é um ativista, um homem preocupado com questões políticas e ao contrário de muitos de seus pares age em favor de causas humanitárias sem fazer delas um show de marketing.
Por fim, quando não precisava fazer mais nada para que eu continuasse a incensá-lo no altar dos deuses da sétima arte assisti “Milk”. Esse filme me deu uma nova perspectiva do que seja o trabalho de um ator. O filme tem defeitos, mas Sean não ultrapassou a linha tênue que poderia torná-lo caricato atuando como um gay afetado. Ele emprestou sua arte para falar de Harvey Milk um ativista que virou o jogo na década de setenta, quando ser homossexual nos Estados Unidos era como ser negro. Harvey fez história e Sean soube contá-la de uma forma esplêndida.

E cá para nós, James Franco deve mesmo ter sentido um baita orgulho de beijar Sean. Eu adoraria. Mas ai não seria cinema e como vocês sabem, só nas telas o impossível pode acontecer.




domingo, 22 de fevereiro de 2009

Carnaval


Vislumbrei esse feriado de carnaval como se fora finados. A solidão parecia ser minha única alternativa, mas foi o cinema o grande responsável por tornar esses dias menos tristes e romper com a predestinação de tédio.

Quando as luzes se apagaram eu visitei a Alemanha nazista e a tentativa de um militar de passar à história como alguém que matou Hitler e assim, atenuar os estragos que suas ações causaram a humanidade. Bem, ele não conseguiu.

Fui conduzida também a São Francisco e apresentada ao ativista gay Harvey Milk que foi às ruas defender igualdade “sem perder a ternura jamais”. Nesse filme há fortes doses de política e erotismo e a magistral interpretação de Sean Penn faz beijos entre pessoas do mesmo sexo ser tão palpitante quanto qualquer cena de amor entre casais hetero.

Estive também às voltas com um conto de fadas indiano em que numa linguagem frenética, um diretor mostra como a pobreza não precisa, necessariamente, conduzir as pessoas ao crime. A miséria pode ser um grande aprendizado, mesmo que permeada pelo trágico.

A solidão pode ensinar muito. Mesmo que ao final do dia, não haja um final feliz. E na impossibilidade de arrumar seus dramas existências, nada como arrumar suas gavetas e descartar roupas que já não servem e sapatos que entopem todos os cantos.

E se o cinema ou a faxina não forem capazes de aliviar toda a sua dor e olhar a casa vazia e enfrentar o silêncio parecer um fardo demasiado, então só há uma alternativa: recorrer ao velho e bom Rivotril. Mas não se esqueça: sempre que possível, com moderação.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Para Sempre Beatriz



Aqueles que visitam esse blog participaram comigo, na semana passada, da aventura de reencontrar – por conta do acaso – uma amiga que não via há mais de vinte anos. É com imensa alegria, portanto, que participo a vocês que esse encontro saiu da esfera virtual.

Depois de longos anos pude finalmente abraçar minha amiga. Foi muito bom confirmar aquilo que meu coração sabia: a distância física não é empecilho quando a amizade é genuína. O que posso dizer? Tenho certeza que Beatriz e eu somos para sempre.

Tivemos horas de uma conversa boa e sincera. Foi como se entre nós houvesse uma separação de dias e não de anos. As afinidades e o bem querer permaneceram fortes, indeléveis e isso eu lhes asseguro, tem um valor que poucos haverão de experimentar na mesma intensidade.

No sábado cuidamos de sumarizar nossas vidas nesse tempo em que estivemos fisicamente separadas. Conheci a Camila – que eu pensava ser Maya – uma querida com quem me identifiquei no exato momento em que nos abraçamos. O Enzo eu só vi por foto, mas é uma coisa fofa daquelas boas de apertar.

No domingo foi o momento de apresentar a ela os “meus” meninos. Fiquei particularmente feliz ao vê-la abraçá-los e acolhê-los de uma forma única fazendo-os sucumbir ao colo generoso e ao charme da nova “tia”.

Na despedida milhões de promessas de que não vamos nos perder. Marcamos um encontro aonde vamos nos juntar como família, pois os amigos são a família que nós escolhemos ter. E essa escolha já foi feita por nós.

Por fim quero agradecer a Camila, amiga da Vivi, e doravante minha amiga também, por ter sido a ponte que juntou duas metades desgarradas. Quem me conhece sabe de cor o meu bordão preferido: “quem tem amigos, nunca está só”.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

PLUS SIZE




Na adolescência tive uma amiga chamada Beatriz Galvão. Era uma pessoa muito criativa. Transitava bem pelo mundo das artes plásticas – um trabalho seu chegou a receber menção honrosa numa exposição importante de Goiânia – escrevia bem, era divertida e irreverente. Como eu era uma típica menina careta, ela me encorajou a dar umas piscadelas para coisas mais ousadas, que comparadas ao que fazem as adolescentes de hoje, não seriam mais do que brincadeira de criança.

Adorava ir a casa dela, porque ao contrário da simplicidade da minha mãe – apenas rainha do lar – dona Miriam era uma professora de matemática que tinha adoração por aviação e pelo Flamengo. Seu pai era um homem muito inteligente e tinha um humor refinado. Sempre que eu chegava por lá cantava assim: “Ah! Se a juventude que essa Ana traz...” fazendo alusão à música de Johnny Alf “Eu e a Brisa”: “Ah! Se a juventude que essa brisa canta ficasse aqui comigo mais um pouco... Fica, ó brisa fica, pois talvez quem sabe, o inesperado faça uma surpresa, e traga alguém que queira te escutar e junto a mim queira ficar”....

Beatriz tinha uma irmã, Maria Esther e juntas gostávamos de cantar duas músicas: “Você pega o trem azul, o sol na cabeça, o sol pega o trem azul, você na cabeça, o sol na cabeça....” E o primeiro hit internacional que eu lembro de ter gostado, de um cara chamado Cat Stevens: “Morning has broken, like the first morning, Blackbird has spoken, like the first bird, Praise for the singing, praise for the morning, Praise for the springing fresh from the world”… Lindo!

Perdi Beatriz de vista quando ela ficou grávida. Estávamos começando faculdades diferentes e nossas vidas apontavam para escolhas distintas também. Soube que ela teve uma filha chamada Maya – acho eu – e quando meu filho Guilherme estava prestes a nascer eu a encontrei numa loja. Trocamos telefones, eu mandei um cartão comunicando o nascimento dele. Ela, então, me mandou uma bela carta. Depois disso, nunca mais.
Tentei localizá-la de muitas maneiras. Pouco tempo atrás, quando a Vivi me colocou no Orkut eu finalmente a encontrei. Pela descrição não havia dúvida, deixei um recado que nunca foi respondido. Penso que ela, distraída como era, criou o perfil e nunca mais passou por lá. Enfim, espero que um dia o destino faça nossos caminhos se encontrar. Tenho dela uma pasta com vários textos e desenhos que ela me confiou porque dizia que eu era mais zelosa. Enfim, está comigo e tenho certeza de que um dia encontrarei um jeito de devolver e como velhas comadres, tomando chá, vamos passar nossas vidas a limpo.

Na verdade, escrevi sobre a Beatriz porque me lembrei que ela era gordinha e muito exuberante. Tinha olhos verdes muito expressivos e uma sobrancelha que tornava seu rosto diferente da beleza em voga na época. Ela gostava de dizer que éramos mulheres “repolhudas”. Que éramos fartas e que esse era, digamos assim, nosso diferencial estratégico.

Ontem me lembrei muito dela porque como não é novidade para quem me lê, o peso é uma coisa que não me deixa exatamente feliz. Mas na Veja dessa semana está lá um perfil com uma das modelos mais bem pagas do mercado de moda americano. Segundo a revista é uma brasileira de nome Fluvia Lacerda, citada na mídia como “a Gisele Bündchen tamanho 48”. E foi por conta dessa entrevista que fui apresentada ao termo “plus size”.

Ou seja, queridos, eu era gorda. Eu já fui cheinha. Um dia eu até fui repolhuda. Agora eu sou Plus. Plus Size. Adoro!!!! Acho que já são os números sorrindo para mim.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Números não gostam de mim!


Nunca me relacionei bem com números. Isso explica minha enorme dificuldade em racionalizar as coisas e de agir, quase sempre, conduzida pela emoção. Isso, não é um bom negócio.

As letras sempre foram um território mais seguro para mim. Desde que não estejam incluídos ai, bulas de remédios e manuais de qualquer espécie. Definitivamente o instinto tem sido a minha bússola. E isso, também, não é um bom negócio.

Na escola, a matemática e, depois, todas as matérias que envolviam cálculos ou qualquer raciocínio lógico, sempre foram meu ponto fraco. Todos os anos minha mãe precisava pagar aulas particulares para que eu fosse aprovada. Ter um ótimo desempenho em português, geografia e história não era credencial suficiente, tinha que pagar os pecados tentando compreender aquelas fórmulas cretinas, que em minha opinião, não faziam qualquer sentido para os planos de ser jornalista, advogada ou uma professora da área de humanidades.

Cheguei ao extremo de ter passado no vestibular para um curso de comunicação com uma boa classificação e, em contrapartida, ser reprovada em matemática no terceiro ano. Questão que foi resolvida com uma prova que contou com a extremada ajuda do professor.

Fui uma boa aluna. Fiz a faculdade com esmero e perto de concluí-la, consegui um emprego. Na hora de negociar o salário os números me pegaram pelo pé. A minha noção era tão vaga sobre quanto eu valia, que pedi um salário que era vergonhoso até para um gari (sem, é claro, desmerecer os garis).

E assim foram minhas negociações seguintes. Sempre que precisava usar os números ao meu favor, lá estavam eles trabalhando fortemente contra mim. Nunca consegui chegar nem perto de ganhar na loteria, nunca tive os dias de férias que julgava ideais, as horas do dia sempre foram longas em dias de tédio e rápidas como um raio nos momentos de alegria. Minha conta bancária sempre teimou em ter menos dinheiro do que a minha vontade incontrolável de gastar mais, eu sempre tive mais sapatos, que juízo e as roupas pelas quais me apaixono, só estão disponíveis várias numerações abaixo do meu tamanho.

Os números são cruéis comigo quando o assunto é peso. Nesse caso, sempre ascendente. Nos últimos tempos, além da luta contra o ponteiro da balança que insiste em marcar um número totalmente desleal, estou às voltas com outros números, dessa vez de grande complexidade para a minha saúde.

Tenho um problema renal crônico. Fui apresentada a ele em 1990. Desde então faço um acompanhamento para avaliar minha função. Nos últimos anos meus rins resolveram me sabotar, ou eu a eles – não sei bem quem está na dianteira nessa disputa – de tal forma que a cada exame a função que devia ser alta é baixa e as malditas taxas de creatina e uréia não param de subir. O resultado dessa equação é uma palavra que nunca gostei muito de pronunciar: hemodiálise.

Se eu tenho função renal de menos, podem apostar que tenho esperança de sobra. E acho que está na hora dos números serem mais gentis comigo. Aceito a generosidade dos amigos – que sempre foi uma conta positiva na minha vida – e suas preciosas cotas de boas energias e vibrações. Nessa parada, não quero ser reprovada, no máximo aceito ficar para recuperação.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pode ser mais que um sonho


Vi um filme pertubador. Não é uma obra-prima, mas deixou-me bastante inquieta, talvez porque trate de uma questão que esteja permeando o atual momento da minha vida.

“Foi apenas um sonho” (Revolutionary Road) fala sobre uma mulher e sua dificuldade de ajustar-se ao “way of life” americano. Embora esteja ambientado na década de 50, talvez 60 é bastante atual, se considerarmos que a sensação de “não pertencimento” é atemporal.

Destaco a mulher, embora a história trate de um casal. Acontece que Kate Winslet que vive a protagonista é maior que sua personagem e mais uma vez faz um par discrepante com Leonardo Di Caprio, que continua com a mesma cara de menino dos tempos de Titanic.

A angústia da personagem é o ponto central da trama. Ela não se conforma – no sentido mais literal da palavra – em ser apenas uma dona de casa enquanto seu marido faz carreira numa empresa que está longe de ser o seu ideal profissional.

Fiquei ofegante ao vê-la fumando desenfreadamente para dar vazão à frustração diante de um destino que não quer viabilizar, mas que ao mesmo tempo parece ser sua única alternativa.

O que fazer quando o script que te querem fazer seguir não parece adequado ao que você deseja viver? Como romper com uma situação para a qual parecemos predestinados? Como superar o bloqueio imposto não apenas pelo seu núcleo familiar, mas que contamina a todos que estão à sua volta?

A decisão de romper com as regras pré-estabelecidas vai desencadear mudanças em vários níveis. A relação afetiva será impactada e uma conspiração de forças sobrenaturais vão agir para devolver a situação à sua pseudo normalidade. É assim na vida real também.

A solução encontrada pela personagem é drástica, mas ao final ficamos com a incômoda sensação de que quebrar a ordem das coisas pode resultar em perdas que nem sempre estamos prontos para suportar.

A música que escolhi para acompanhar esse post pode parecer inadequada, mas ao ouvi-la posso fechar os olhos e vislumbrar um outro desfecho para essa e outras histórias que pressupõem uma escolha. Eu recomendo: Não desista “de querer mais do que você pode ter”.


domingo, 1 de fevereiro de 2009

A nossa canção


Ao procurar uma razão que justificasse o fim do relacionamento, Maria Olívia encontrou uma porção, mas nenhuma parecia tão definitiva quanto aquela: eles se separaram e mesmo tendo vivido anos debaixo do mesmo teto, nunca tiveram uma música.

Todo e qualquer casal tem sua trilha musical. Eles não. É certo que ouviram e se emocionaram várias vezes ouvindo essa ou aquela canção, mas nenhuma ficou como marca registrada daquele amor.

E então ela se lembrou também que não tiveram “lua de mel” e que ele não enviou flores quando nasceu o primeiro filho e que apenas uma vez – instigado pela irmã – mandou rosas no seu aniversário.

Então, Maria Olívia não quis mais lembrar, porque lembrar faz doer tudo outra vez.