sábado, 28 de maio de 2011

ABRINDO AS PORTAS DA ESPERANÇA

Na década de 80 ou talvez 90, o apresentador Silvio Santos tinha um quadro no seu programa que se chamava “As Portas da Esperança”. (Pode ser que não tivesse exatamente esse nome). No quadro, o apresentador contava a história de alguém que pedira alguma coisa muito importante para si. Eram pessoas querendo enxovais, cadeiras de roda, móveis.... A produção do programa procurava por empresas dispostas a atender ao pedido dos participantes. Silvio Santos falava do sonho – sim, quase sempre a pessoa estava no limiar do desespero – e pedia que as portas da esperança fossem abertas. Se o pedido fosse contemplado, por trás da porta estaria alguém e muitas vezes até o objeto do desejo. Em algumas situações não havia nada quando as portas se abriam. Assim como na vida, nem sempre os sonhos podem se materializar.

Enfim, não sou uma aficionada por Silvio Santos e esse post é para falar que nessa semana, uma fresta da porta da esperança se abriu para mim. Há uns cinco anos tive um ganho considerável de peso. O quadro começou com uma medicação e evoluiu com a baixa de auto-estima.

Como é de domínio público, desde o começo de maio estou fazendo hemodiálise. Não tem sido fácil, minha vida passa por mudanças significativas. Mas estou me ajustando e nas duas últimas sessões já fui dirigindo. Isso me deu a sensação de não ser tão dependente. Já consigo olhar a clínica na qual faça o tratamento de uma maneira menos hostil.

Nas primeiras sessões chegava por lá com a sensação de quem ia cumprir um ritual inútil e que tudo resultaria em dor e sofrimento. Enfim, como a vida está sempre nos mostrando: nada como um dia e outro e outro. A verdade é que caminhando para um mês de tratamento eu já experimentei algumas mudanças. A melhor delas foi abrir um armário com as roupas de cinco anos atrás e conseguir entrar em algumas. Foi uma emoção. São roupas simples, mas que representam um momento importante da minha vida. Eu estava feliz, confiante e o futuro parecia promissor.

Abrir aquele armário foi mais ou menos como abrir as portas da esperança e ter um desejo realizado. Deu-me ânimo e mais confiança. Agora consigo acreditar que talvez volte a ter meu peso anterior e que possa retomar a auto-estima. O tratamento é uma peça importante desse jogo. Os primeiros exames demonstram que a diálise já conseguiu expurgar boa parte das substâncias ruins que estavam morando dentro de mim. Ninguém acorda e agradece a Deus por mais um dia de diálise. Esse não é o sonho de consumo de nenhuma pessoa. No entanto, meu “Pollyana way of life” já dá mostras de que, a despeito da tristeza, da desesperança que experimentei ao receber esse diagnóstico minha vida poderá passar a outro patamar.

Já consigo olhar para mim sem autocomiseração e, acreditem, isso é muito! Cada dia que visto uma roupa do passado, tenho a sensação de colocar um pouco mais de cor no meu presente. Estou lendo um livro muito simpático chamado “Um Dia”.

O autor começa sua narrativa com uma poesia:

“Para que servem os dias?

Dias são onde vivemos.

Eles vêm, nos acordam

Um depois do outro.

Servem para a gente ser feliz:

Onde podemos viver senão neles?

Ah! resolver essa questão

Faz o padre e o médico

Em seus longos paletós

Perderem seu trabalho”.

(Philip Larkin, “Days”)

É mais ou menos assim. Na vida só podemos viver um dia de cada vez.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A Primeira Vez

Em 1987 uma campanha publicitária ganhou o Brasil. Era delicada e falava sobre a experiência única de se usar o primeiro sutiã. O mote era despertar nas pessoas a capacidade de recuperar momentos inesquecíveis de suas vidas.

De fato, a primeira vez a gente nunca esquece. Por exemplo: o primeiro beijo. Ok! O meu foi totalmente esquecível. Embora nunca mais tenha visto aquele garoto e a experiência não tenha sido arrebatadora, ficou registrado na memória meu ingresso no mundo das bitocas. E cá para nós, beijar, pela primeira, segunda ou milésima vez é sempre uma delícia.

Houve outras primeiras e memoráveis vezes. A primeira vez que vi a carinha dos meus filhos...A primeira vez que me senti gostosa...A primeira vez que ouvi Jorge Drexler...A primeira vez que entrei numa sala de aula...A primeira vez que tomei sorvete de menta com chocolate...

Mas não é desse tipo de primeira vez que quero falar. Infelizmente, ou felizmente fui apresentada à minha primeira vez na hemodiálise. E quer saber? Não foi nada divertido passar a fazer parte desse clube. Diferente do primeiro beijo, quando alimentamos a esperança de que haverá fundo musical, que um cenário de sonho vai se estabelecer e que o chão vai se abrir com anjos trombeteando – enfim, talvez isso seja mais para anunciar o fim dos tempos – a experiência de encarar a máquina pela primeira vez foi um pesadelo. Não há cenário capaz de tornar essa experiência menos traumática. Não é nada interessante passar duas horas vendo seu sangue ser conduzido por duas mangueiras e escutar aquela máquina apitando, como aqueles aparelhos de UTI. É um tempo que você, por mais imaginação que tenha, não consegue esquecer que está doente e que aquele lugar não seja um hospital. O pior é saber que isso fará parte da sua vida por um tempo impossível de ser quantificado.

Como já tive ocasião de manifestar, não quero adular a autocomiseração. Estou lutando para não ter dó de mim, mas está difícil. Não é bacana olhar meu braço e vê-lo destroçado, como se tivesse levado uma surra. Nesse momento, eu sou a rainha dos hematomas e de uma dor que não me deixa dormir.

Por enquanto, nesse jogo entre Ana Maria e a máquina, ela está ganhando de goleada. Estou confiante, mas acho que ainda vai levar um tempo prá poder dar risada e virar esse placar.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Os "meus" meninos!

Quando fui aprovada no vestibular, no final da década de setenta, depois da alegria de ver meu nome na lista, o segundo passo foi prospectar as chances de encontrar um grande amor entre os colegas. Sim, as meninas numa turma majoritariamente feminina, estavam interessadas nas possibilidades de namoro. Eugênio, Fernando, João Angelo, José Maria, Marco Antônio, Marcelo Barra e Ronaldo. Sete garotos. Cinco. Afinal, dois deles tinham interesses sexuais na mesma categoria das meninas.

É claro que não rolou namoro, mas desse grupo saíram dois grandes amigos: João e Ronaldo. Embora no caso do Ronaldo, tenha sido uma amizade meteórica, nem por isso, menos querida. Acontece que ele se desgarrou rapidinho para casar.

Sempre tive facilidade de me relacionar com meninos. E falo de amizades sinceras e duradouras. De camaradagem e cumplicidade. E hoje quero falar de dois amigos desse tempo.

Um deles é o João. João Angelo Fantini. O outro, Lisandro. Lisandro Nogueira. Dois amigos queridos com os quais tive a oportunidade de viver ótimos momentos. Hoje, escrevo banalidades nesse blog - arremedo de diário - e levo uma vidinha besta, que não merece registro. Os dois, cada um a sua maneira, trilharam caminhos promissores. São reconhecidos nas suas áreas de atuação, já publicaram livros e têm blogs que falam de assuntos muito mais relevantes e claro, são cinqüentões charmosos.

Enquanto eu corro atrás de “sobrevida” como gostam de dizer os médicos e começo a contagem regressiva para a hemodiálise, prevista para a próxima semana, meus amigos constroem suas respectivas trajetórias. E nos últimos tempos eu penso com freqüência neles e no quanto foi importante tê-los conhecido.

Faz tempo que não os encontro. Lisandro, não vejo há mais tempo que o João, mas eu os adoro e a distância nunca foi capaz de fazer esse sentimento diminuir. Vez ou outra nós trocamos e-mails e telefonemas. Lisandro, eu vejo nas crônicas de TV num telejornal de Goiânia quando estou por lá. É ótimo saber que ele transformou sua paixão por cinema numa ocupação e que multiplica seu conhecimento sobre a sétima arte. É hoje uma referência sobre o assunto.

A Universidade Federal de Goiás foi nosso ponto de encontro. Lisandro estudava História e eu não sei  como nos tornamos um trio. A verdade é que durante muito tempo nossas vidas andaram muito próximas. Lembro, particularmente, de um período em que vínhamos juntos para Brasília. Eu, como já tive a oportunidade de comentar, tinha um grande amor por aqui e eles cuidaram de seguir a mesma trilha. Lisandro chegou a namorar uma garota e o João tentou emplacar um flerte com a irmã dela. Mas era um pessoal estranho e no final das contas, a história rendeu mais piadas, que romance. Daqueles dias, lembro da gente voltando para Goiânia no fusca do Lisandro, em desalento. Mas com vinte e poucos anos, a tristeza dura algumas horas, talvez dias, não mais.

Temos muitas histórias para contar, fizemos planos juntos e acho que havia entre nós um equilíbrio entre o meu pseudo vanguardismo, o cinismo cheio de charme do João e o excesso de confiança do Lisandro, que na verdade, escondia insegurança expressa no seu tique favorito: enrolar a ponta dos cabelos. Acho que dessa época o que conta de verdade era a incrível e despudorada capacidade que tínhamos de rir de nós mesmos e da nossa fanfarronice.

Nenhum de nós levou adiante o grande amor. Fomos atropelados pela vida que cuidou de nos apresentar a relacionamentos reais, menos Hollywood. Bem, talvez isso se aplique ao Lisandro e a mim. O João, pelo que sei, continua beijando muitas bocas e vivendo amores eternos enquanto duram.
Do João eu tenho lembranças muito ternas. Algumas inesquecíveis. Como ele foi embora para São Paulo, tivemos vários encontros no período em que eu viajava a trabalho para lá. Ele foi um ombro acolhedor, mesmo me dizendo na lata e sem verniz, coisas que precisava ouvir. Independente de seu pragmatismo, soube ser um amigo leal e enxugar muitas lágrimas. Algo assim: passa a mão na cabeça, mas dá um safanão – sem perder a ternura jamais – claro!

Dia desses, sonhei que ia me casar e era ele quem iria me conduzir ao altar. Não! Ele não era o noivo. Quando contei o sonho ele perguntou com a sua costumeira ironia: “mas no seu sonho eu ainda tinha cabelo”? Claro. Afinal, no meu sonho eu era bonita e magra.

Uma das maiores alegrias que tive foi vê-lo viajando com meus filhos para a Chapada. É claro que depois disso, Guilherme e Rodrigo alcançaram em sua vida o status de “brother” que eu não tenho mais idade e disposição para ser.

Não posso ouvir a Nana Caymmi que as lembranças do João chegam de pronto. Não porque ele seja um ardoroso fã, mas porque nunca me esqueci quando ele profetizava: "quer acabar com uma festa, coloca um disco da Nana Caymmi prá tocar". 

Lisandro e eu temos tantas coisas em comum que até fomos brindados com a mesma patologia: rins policísticos. Da última vez que nos falamos ele cuidou de encher meu coração de esperança e de garantir que há vida após a hemodiálise. Eu acreditei.

Nada é mais a cara do Lisandro que Glauber Rocha. E claro, sempre corro risco de morte quando declaro que acho o cara um grande "chato". Prá ele isso é tiro no peito. Ninguém é perfeito. Afinal, ele até gosta de Moraes Moreira. Fazer o que?
Quando pensei em escrever para eles, descobri, com tristeza, que não tenho uma foto em que aparecemos os três juntos. Eu espero que possamos reverter isso.

Enfim, meus queridos “João de Deus”, “Jonh very good” e “Lili”. Eu os amo! Muito!! E não queria que meus dias terminassem sem que pudesse dizer isso com todas as letras prá vocês.

Super beijo.

Ana Maria

domingo, 27 de março de 2011

CINZA DEMAIS PARA O MEU ROSA CHOQUE

Dia desses estava respondendo um recado deixado no Facebook quando fui surpreendida por um chamado de um ex-namorado. Conversamos rapidamente, o suficiente para que eu me lembrasse de uma passagem de nossas vidas. Eu vivia um momento de exuberância e ele tentava se recuperar de uma separação. Eu estava no ápice dos vinte e poucos. Ele passara dos trinta, já havia experimentado a viuvez e naquele momento terminava o segundo casamento. Estávamos em desalinho e não me sentia a vontade para colorir a palidez da sua vida. Sem dó, nem piedade, depois de ouvir pela enésima vez seus lamentos, disse-lhe: “desculpe, mas você é muito cinza para meu rosa choque”. Lágrimas correram largas pelo seu rosto de poeta triste.

De todas as pessoas com as quais me relacionei ele talvez tenha sido o que mais claramente tenha verbalizado seus sentimentos. Disse-me de várias maneiras as coisas todas que uma mulher aprecia ouvir. Escreveu-me cartas, poemas e um conto no qual, com delicadeza, narrou um fato de minha infância. Usou esse expediente para por fim à nossa história e com seu gesto – involuntariamente – contribuiu para que minha vida tomasse uma direção inusitada e meu destino fosse reformatado.

A vida fez com que nossos caminhos vez ou outra se encontrassem. Quando estava grávida de sete meses do meu primeiro filho, ele fez sua última tentativa de arrebatar-me. Procurou-me e disse que estava disposto a seguir em frente, mesmo estando eu a espera de um filho que não era seu. Disse-me que isso não seria obstáculo para me fazer feliz e que meu filho não teria menos amor. Mas era tarde demais para nós e assim, a vida seguiu.

Anos mais tarde, num encontro profissional, ele olhou-me com ternura e confessou que sempre pensava em mim e que eu fazia parte de suas melhores lembranças. Acho que chegou a dizer que fui o grande amor de sua vida. Mas como ele é poeta e teve muitos amores, achei melhor considerar aquelas palavras como um recurso de sedução tardia. Um galanteio de um homem que sabe falar de amor e não se furta a dizer, mesmo que não sinta exatamente assim.

Nossa conversa da semana passada foi dolorida, não porque reste em meu coração uma paixão recolhida, mas porque me lembrou do viço dos vinte e poucos anos, de como havia luz nos meus olhos e fogo no meu coração. Hoje, nesses dias lacônicos, nessa solidão e incerteza, dói-me perceber o quanto eu, que tinha tanta cor, estou demasiadamente cinza, diante do rosa choque da vida.

sábado, 12 de março de 2011

1984



Reencontrei Chico Buarque. Nas últimas semanas fui adquirindo os discos de uma coleção que reeditou alguns de seus trabalhos que eu só tinha em vinil. O último disco, um lançamento de 1984, além da boa música provocou uma avalanche de lembranças.

Fazia algum tempo que Chico não gravava. O disco traduzia as mudanças políticas que aconteciam no país, assim como minha vida  passava por transformações. Natural, pois, que as músicas se convertessem em uma espécie de trilha sonora desse período.

Em 1984, mais precisamente em maio, comecei a trabalhar na Editora Abril. Fiz minha estréia no mercado pelas portas de uma empresa reconhecida. Não era pouco para uma recém chegada a Brasília. Além de uma nova realidade profissional, precisava aprender, a duras penas, viver numa cidade completamente diferente, sem o amparo da família e juntando os meus cacos depois do fim de um amor.

Depois de alguns meses, parte do meu treinamento incluía passar duas semanas em São Paulo conhecendo as várias unidades e respectivas subdivisões da empresa. Como trabalhava na sucursal - que funcionava como um balcão de serviços para as demandas de todas as operações da editora - era importante conhecê-las.

Naquele tempo não havia Internet e nossas correspondências com a “matriz” eram realizadas por C.Is (comunicações internas), telefone, telex e os famosos “bilhetinhos”. A comunicação na Abril era informal. Havia uma troca constante de “bilhetinhos” e foi por meio deles que me tornei amiga da Inês, uma das jornalistas responsáveis pelo Almanaque Abril. Entre suas atribuições estavam as atualizações do anuário. As freqüentes revisões implicavam na troca de documentos e informações. Isso, tornou nosso contato regular e estabeleceu uma correspondência vigorosa que não tardou a se transformar em camaradagem.

Nos conhecemos em uma de suas vindas à Brasília e era natural que ela me recepcionasse na primeira estadia em São Paulo. Então, o disco de Chico Buarque cruzou nosso caminho. Foi meu presente para Inês – era um LP – que ela rapidamente gravou numa fita cassete – tempos jurássicos - e a música nos acompanhava pelas peregrinações que passamos a fazer.

Viajei para São Paulo numa sexta-feira e me hospedei na casa de Inês, na Vila Madalena. Só me transferi para o hotel na segunda-feira e foi pelas mãos da amiga que fui apresentada a uma cidade  maior que os sonhos que ousaria ter.

O deslumbramento começava pela própria empresa. Na época, dividida em treze endereços. Meu roteiro incluía conhecer a gráfica – e ficar boquiaberta com o processo estupendo de ver as partes que convergiam para o final apoteótico, resultando em uma revista – passava pelo estúdio fotográfico onde eram feitas desde as fotos de Playboy até as imagens que iriam ilustrar os pratos da Cozinha de Cláudia – que, aliás, conheci e onde almocei com a lendária Edith Eisler, uma espécie de Ana Maria Braga da culinária de revista.

Fui apresentada ao Dedoc – o Departamento de Documentação da Abril – que abastecia com pesquisas todas as publicações da casa; estive na DINAP, que à época fazia a distribuição de todas as publicações em banca, e tive o privilégio de almoçar no “roof” (o restaurante que servia aos executivos e convidados da empresa e ficava no topo do prédio da Abril, na Marginal). Pisei no território sagrado - o sexto andar – onde ficavam o presidente da empresa, Victor Civita, seu filho Roberto e os demais VPs. Fiquei deslumbrada. O local era como uma grande galeria de arte. Havia quadros que só vira em fotos. As secretárias eram senhoras formais, vestidas de maneira antiquada. Uma delas, Luiza Crema, posso dizer, tornou-se uma amiga. Uma pessoa que impressionava pela delicadeza firme e um sotaque particular. Durante todos os anos em que estive na empresa, sempre me tratou com gentileza, me mandando presentes e perguntando por meus filhos sem esquecer os seus nomes.

Conhecer a empresa e entender como ela funcionava foi uma experiência valiosa, mas as atividades extracurriculares foram as que mais marcaram minha passagem por Sampa. Encerrados os compromissos, eu corria para o hotel, tomava banho e pelas mãos da Inês era apresentada a outras nuances da cidade. O ritual começava quase que invariavelmente pelo “21”, um bar muito freqüentado por jornalistas. Inês é um pouco mais velha que eu e tinha histórias para contar. Seus amigos eram figuras importantes da imprensa brasileira, ou seja, para mim, a viagem continuava a ser aprendizado mesmo na balada.

Inês me levou a restaurantes que só conhecia pelas revistas, me apresentou ao Pirandello, um bar diferente de tudo que eu vira até então: um misto de boteco, livraria, ateliê e brechó. Por lá passavam as pessoas descoladas da época. “Assim é, se lhe parece”. Foi nessa viagem que pela primeira vez coloquei os pés numa gafieira: “A Sandália de Prata”. Voltava para o hotel tarde da noite, dormia pouco, pois havia muito para ver e viver. E eu... bem, eu era um “suburbano coração” aproveitando para beijar algumas bocas, "darling ...play it again", embora apenas uma, naqueles tempos, me tirasse os pés do chão.

No meio de tanta novidade eu cuidava de acompanhar a greve dos bancários e buscar os jornais de Brasília para saber se estava tudo bem. Será que o amor sindicalista não fora preso? De quebra, fazia malabarismos, carregando pelas ruas da cidade uma enorme e colorida pipa, que cismei presentear. Coisas estúpidas que se faz por amor, mesmo quando o amor acabou. Já passou. “Vai passar”!

Trabalhei mais de vinte anos na Abril e estive dúzias de vezes em São Paulo, mas aquela viagem foi um marco, um divisor de águas, mas como na canção, as pessoas e as lembranças são como as palavras: “saíram de cartaz”.

quarta-feira, 2 de março de 2011

AMIZADE É AMOR!


No processo de reclusão voluntária a que me submeti, vez por outra esqueço como é bom sair da caverna e me divertir. E falo de realidade e não de usar o cinema ou a literatura como escapismo. Dia desses fui ao shopping com a Solange. Fazia tempo que não me divertida tanto. Andamos pelas lojas que gostamos, compramos pequenos mimos, lanchamos, tomamos sorvete, café, e claro, fizemos piada uma da outra, talvez eu mais dela que ela de mim. Voltei alegrinha para casa, sentindo, mesmo que por breves instantes, que a vida tivesse retrocedido e eu fosse ainda aquela mulher tão cheia de alegria e desprendimento que hoje sinto não ser mais.

Hoje tive um revival. Numa conexão por Brasília, Viviane me concedeu a alegria de passar duas horinhas por aqui. Fomos ao shopping, almoçamos juntas, e também, por breves momentos, experimentei a sensação de pertencimento. De integrar o mundo, já que na maior parte do tempo eu assisto a vida passando e isso me incomoda e faz sofrer.

Eu sempre tive a sorte de ter bons amigos, e sem desmerecer as outras pessoas que amo, Solange e Viviane, são, com certeza, as pessoas com quem consigo estabelecer a mais absoluta conexão. Não que haja apenas concordância entre nós. Não que nunca tenhamos tido arestas para aparar, mas preciso reconhecer que são as pessoas que melhor me conhecem e que sempre, em todas as ocasiões, me acolheram de maneira absoluta e irrestrita. É para elas que corro para contar as alegrias, tristezas, as surpresas e decepções. É com elas que me permito ser, da forma mais intensa, eu mesma. Sem retoques.

Conhecendo a Solange, como penso conhecer, parece um milagre, que a despeito de nossas incríveis diferenças, possamos nos gostar tanto. Eu não costumo parar para pensar em outras vidas, não sou uma pessoa que se preocupa em desvendar esse tipo de mistério, mas sinto como se nossos destinos tivessem sido “traçados na maternidade”. É como se em todas as vidas que tivemos, se as tivemos, nossos caminhos tivessem se cruzado de alguma maneira.

No caso da Vivi o sentimento é ainda mais intenso, pois eu sinto por ela um misto de amor de mãe e de irmã. Não consigo nos ver como tia e sobrinha, mas como almas gêmeas. Nós temos opiniões muito próximas, uma cumplicidade que seria difícil explicar à luz da razão. Em algumas situações nossas histórias se misturam e sempre aprendo com ela, apesar de achar que devia ser o contrário. Para o dissabor de meu irmão, somos o que ele chama de “malucona” e “maluquete”. Duas faces da mesma moeda. É provável que ela esteja em franca desvantagem nessa comparação, mas me orgulho de nossas semelhanças e espero que a vida me permita ser cada vez mais como ela.

Sempre que possível essas páginas servem para expressar meu reconhecimento às pessoas que amo. Não sei que mérito isso representa para vocês, mas tenham certeza de que estão no topo do ranking do meu amor. Pode ser brega. Pode ser lugar comum, mas é sincero.


sábado, 26 de fevereiro de 2011

"Tonight's The Night"!!


Desde o acidente com o Rodrigo tenho vindo por aqui tentar escrever, usar as palavras para colocar ordem nos meus sentimentos confusos. Mas elas estão arredias. Passo horas construindo narrativas, fazendo relatos de coisas que me acontecem, de pensamentos, de angústias, de alegrias, de inquietações. Mas ao final, termino com uma tela em branco, como se minha mente tivesse passado por um processo de entorpecimento.

Depois de viver a experiência que tivemos com o Rodrigo, ser notícia de jornal, sentir medo de perder meu filho, revolta por tudo que passamos e de ainda por cima estar esperando a realização da segunda fístula, para finalmente chegar à hemodiálise, os sentimentos são controversos e tenho medo da armadilha do discurso da autocomiseração. Não! Eu não quero sentir pena de mim.

Para aplacar a angústia eu cuido de fazer aquilo que é a minha especialidade. Sim, eu aperto “play”. Ultimamente, não são os filmes românticos, os contos de fada contemporâneos que monopolizam minha atenção. Eu mergulhei no universo sanguinário de um serial killer por quem me apaixonei. Sim, minha mãe sempre me alertou – “você gosta de homens complicados “ – e essa paixão é a responsável por eu passar meus dias e noites de espera mergulhada numa trama que discute a dicotomia que há entre nós. A prospectar a linha tênue que existe entre “bem” e “mal”.

Falo de Dexter. O serial killer que é especialista em matar “serial killers”. O perito forense que por trás de sua aparente meiguice, esconde um assassino frio. Acreditem: adorável. É impossível não amar Dexter e não torcer de forma visceral para que ele continue sua jornada de justiceiro. Eu nunca defendi o “olho, por olho, dente por dente”, mas não posso evitar sentir que, ficcionalmente falando, Dexter é um herói. Meu herói do momento.

Devo a ele e as cinco temporadas que assisti e que estou revendo, a pacificação dos meus próprios medos. Enquanto o vejo no seu ritual de morte, me encho de vontade de viver. Para mim, como no jargão do personagem, "Tonight's The Night". Dia ou noite, sempre será a hora de me entregar. À Dexter. E à vida.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A "cultura" é meu Lugar


Dia desses zapeando por alguns blogs li um post de uma pessoa que dizia gostar tanto de livros que adoraria viver numa livraria. Sou uma pessoa consumista e posso dizer, sem medo de errar, que a coisa de que sinto mais falta desde que deixei de trabalhar e, portanto, de receber salário, é da autonomia de entrar na Livraria Cultura e sair de lá carregada de livros. Lembro de já ter saído de lá com vinte livros. Um exagero!

É verdade que sinto muita falta de comprar sapatos, mas ontem, ao entrar na Cultura para comprar o livro “A Elegância do Ouriço”, cujo filme mencionei aqui, senti uma espécie de vertigem. Foi quase como o adicto de posse de sua porção de droga.

Deus! Eu poderia morar na Cultura. Dificilmente outro lugar me dá tanto prazer de freqüentar. É como ir à Disney. Eu fico atordoada e nunca estou certa de quais livros poderia descartar – ao ter a oportunidade de escolher uma dúzia – seria uma escolha difícil de fazer. Os de Paulo Coelho, com certeza não. Mas os livros exercem um fascínio sobre mim. E não falo isso com a pretensão da intelectualidade. Não. Longe disso. Hoje quando lia a “Elegância...” deparei-me com a seguinte ponderação: “Li tantos livros... No entanto, como todos os autodidatas nunca tenho certeza do que compreendi.Um belo dia, creio abarcar só com o olhar a totalidade do saber... depois brutalmente, o sentido se esquiva, o essencial me foge...” Eu sinto exatamente assim.

Sempre que ouço as pessoas falarem sobre seus sonhos e desejos não realizados penso que o meu seria ter uma casa que tivesse uma biblioteca enorme e um confortável divã. Eu não me importaria de passar horas a fio por lá. Sim, uma sala de cinema particular completaria o ambiente.

Em um lugar como esse, a frase de minha heroína do momento caberia muito bem: “Na segurança de meu espírito, não há desafio que não consiga enfrentar.” E claro, a exemplo do que ela preconiza, nesse espaço eu me tornaria "uma deusa invencível". Como em Pasárgada. O problema é que na vida real, não sou "amiga do rei".

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"DEGO"

A maternidade é um desafio, mas ser mãe de meninos exige uma dose diária de resistência: física e emocional. Nos primeiros anos a gente precisa estar em forma para correr atrás deles e não surtar diante das aventuras diárias. Isso implica aprender a conviver com sujeira, desorganização e brincadeiras bem diferentes daquelas do universo feminino. Uma coisa é certa. A gente sempre está com o coração saindo pela boca. São cortes, tombos, hematomas e essa nem é a pior parte.              

A despeito do desafio, sempre soube que seria mãe de meninos. Quando engravidei – acidentalmente – do Guilherme eu escolhi o nome e tinha uma convicção absurda de que seria um menino. E foi. O Rodrigo foi planejado. Passamos meses esperando que ele decidisse dar o ar da graça. Foi uma gravidez tranqüila e ao contrário do Guilherme que vivia em permanente rebuliço dentro de mim, Rodrigo era tão quieto, que dias antes de seu nascimento eu suspeitei que ele pudesse não chegar bem. Mas era o jeito peculiar do menino que nasceu de parto cesariano e que gostava de mamar e dormir. Era gordo e tinha os cabelos cacheados.

Desde pequeno via nele a projeção do filho intelectualizado, que o Guilherme, com sua travessura incansável, não tinha tempo e vocação para ser. Ele gostava de cinema e literatura. Nossa diversão favorita era pegar um anuário de cinema e marcar os filmes que já havíamos assistido. Ele sabia o nome de diretores, atores, e assistia a filmes complexos para a sua idade. Para compensá-lo eu via as produções “arrrasa quarteirão” e os inomináveis filmes baseados em games, que cá para nós, nem entendia.

Vivemos felizes para sempre até que ele chegou aos treze anos. Lembro-me bem. Foi como se naquele dia uma nave espacial tivesse levado o meu filho substituindo-o por um exemplar que eu não reconhecia. Apesar de já ter passado pelos desatinos da adolescência com o Guilherme, o que sofri com o Rodrigo foi “café pequeno”.

O resultado dessa fase difícil foi sua ida para Goiânia. Solução extrema para livrá-lo de um mal maior. Nos separamos por um ano e meio. Foi o pior período da minha vida, mas foi importante para que ele recolocasse os pés no chão.

Tivemos muitos sobressaltos, muitos embates, mas o que nos uniu, acima de tudo, sempre foi uma enorme cumplicidade. Aprendi muito com ele, embora discorde de suas teorias a respeito de uma dúzia de coisas. Admiro sua capacidade de liderança, sua perspicácia e, acima de tudo, sua capacidade de persistir quando quer alguma coisa. Ele é do tipo que não aceita um não. Detesta que seus defeitos sejam expostos. É vaidoso e como qualquer garoto de sua idade bebe da fonte da contradição. Muitas vezes o vejo repetindo discursos que já fiz no passado. Noutras, fico chocada com as semelhanças de temperamento que ele herdou do pai. Me divirto e me irrito quase na mesma proporção com suas provocações. Se eu tivesse que escolher uma característica que o definisse com precisão seria o de provocador nato.

Ele é do tipo que não pede desculpas. Que vive a ilusão de estar sempre certo, mas é amoroso - na sua forma peculiar de amar. Tenho comigo uma cartinha dobrada em vários pedaços de um dia em que ele me fez uma raiva tamanha que só me restou bater nele. Horas depois ele colocou debaixo da minha porta uma folha de papel na qual estava escrito “eu te amo” da primeira a ultima linha. É claro que nos abraçamos e ficou tudo bem.

Ele já me fez sofrer muito, por ele já derramei rios de lágrimas, mas o que posso dizer? Ele é meu filho e as mães estão sempre prontas a perdoar. É um “não perder a ternura jamais”. Hoje, ele me acompanhou numa consulta e me disse uma coisa que foi muito querida. Eu especulava como seriam meus filhos se tivessem outro pai. Ele falou assim: “mãe, independente de quem tivesse sido meu pai eu sempre seria seu filho. Essa foi uma escolha que fiz. Entre milhões de opções eu escolhi você. Se eu nascesse de novo escolheria outra vez.”

Ele me chama de “Dega”, não me perguntem o motivo. E eu o chamo de Dego. E apesar de todas as adversidades, de todos os dissabores eu sou obrigada a concordar que nosso amor foi uma escolha. E se eu precisasse sofrer tudo outra vez para tê-lo como filho, quer saber? Eu o escolheria. Eu tenho fé que aparadas as arestas ele, assim como o Guilherme serão sempre a minha razão de viver.

Te amo, Dego. Muito!


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre a tristeza e os "ouriços"


O dia não podia ser mais apropriado. Chuva. Sem parar. Uma chuva fina, fria, feito finados. Acordei triste. Uma tristeza insuportável. Há 41 anos morreu meu pai. É tempo demais. Uma vida, mas a dor continua. Então, fico pensando nas coisas pequenas que a memória conseguiu capturar. Nossos carinhos. As conversas, sobretudo, o humor inabalável do meu pai. Ele era do tipo que perdia o amigo, mas não perdia a piada.

Há momentos em que a memória me trai e nem sei mais se o que está na minha lembrança diz respeito ao meu pai ou ao meu irmão. Eles têm semelhanças impressionantes. Inclusive físicas. Portanto, há momentos em que não sei se estou recorrendo ao que me restou do meu pai ou se estou tomando emprestadas ações do meu irmão.

Enquanto me escondia no meu refúgio favorito: o quarto, buscava as lembranças do último dia em que estive com meu pai, mas tudo que me ocorre é meu irmão me chamando na madrugada para ir ao hospital. Lá chegando lembro que poucos minutos depois ele se foi. É uma lembrança que não se apaga. Minha cunhada me levando para fora do quarto e minha mãe gritando. Eu tinha nove anos e ele, 46. Duas idades em que nenhum de nós merecia esse sofrimento.

Pai, não queria que a lembrança de ti fosse de tristeza, mas não teve jeito. O dia foi mesmo para chorar. E como na tristeza eu sempre recorro ao “play” fui buscar conforto num filme que a Vivi me presenteou: “A Elegância do Ouriço”. Curiosamente, um filme que usa a morte para falar da beleza da vida. Fiquei tão encantada que se pudesse e não fosse tão tarde sairia agora mesmo para comprar o livro de mesmo título. E olha, hoje, um dos meus desafios foi comprar um livro para preencher o enorme vazio da minha vida nesses dias de espera e expectativa pela cirurgia, pela angústia do que me espera. Ler e ver filmes. Parece a vida que qualquer um pediu a Deus, mas até aquilo que queremos muito pode ser um fardo quando chega até nós.

“A sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes”.