segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Vida de Cinema


Maria Olívia não é bonita. É daquelas mulheres que não fazem diferença na multidão. Aliás, multidões afugentam Maria Olívia que é dada ao anonimato. Não foi sempre assim. Ela já foi exuberante. Ela já causou frisson, mas ela é distraída. Quando encantava homens e mulheres, nunca se deu conta disso.

Maria Olívia ama ir ao cinema. Quando as luzes se apagam, ela pode ser muitas pessoas e esquecer a sua insignificância. Ela já foi uma adolescente passeando por Viena na companhia de um jovem americano que conheceu num trem. Tempos depois ela o reencontrou em Paris e eles descobriram que o tempo não separa aquilo que estava predestinado a viver junto.

Maria Olívia já foi uma alemã cruzando a Europa levando em seu carro um estranho. Viveu momentos de grande tensão, mas sofrimento e apreensão ficaram miúdos quando ele cortou seus cabelos, pintou-os e deu a ela um novo rosto. Não porque o anterior não fosse belo, mas porque era preciso protegê-la.

Maria Olívia já chorou na ópera vestida num deslumbrante vestido de menina rica, ao lado de um homem que pagou pela sua companhia e fez dela uma Cinderela moderna. E foi ao som de ópera que, suspensa em cordas, foi apresentada a afrescos que estampavam as paredes de uma catedral italiana, destruída pelos horrores da guerra. A guerra que pode tudo, menos destruir o amor.

Ela já visitou o submundo dos crimes sexuais, ao lado de seu parceiro policial e mesmo havendo entre eles uma paixão latente, Maria Olívia sabe que esse amor não pode se consumar o que a fez correr para os braços do primo que não podia amá-la, pois lhe coube tocar os negócios da família.

Maria Olívia já se apaixonou por um homem bem mais velho, que lhe deu de presente luvas de uma loja cara de NY, abriu para ela sua casa luxuosa, mas nunca permitiu que ela entrasse no seu coração. Ela também experimentou o amor maduro, com um viúvo em Madri, mostrando-lhe que a velhice pode nos levar de volta às travessuras da infância e que nada deve ser levado tão a sério.

Depois, embarcou naquele vôo que terminou em destroços numa ilha, onde ficou dividida entre o amor de um médico e um canastrão. Os dois com seu charme. Para não precisar escolher, ela foi se deitar numa cama em Tóquio com um ator decadente e viver um dos encontros mais sensuais onde eles apenas trocaram um carinho discreto. Momento que talvez só tenha sido superado por aquele outro no qual ela dançou num rancho americano com o homem que não podia ser seu.

Mas tudo foi recompensado quando ela, sobre o balcão de um bar, recebeu um “beijo roubado”, ou quando, súbito, um personagem de quadrinhos desceu de uma longa teia e a beijou ternamente. Ah! Os beijos são sempre o melhor na vida de cinema de Maria Olívia. Mesmo aqueles que demoraram tanto para acontecer, como o que recebeu no Empire State, ou o outro que trocou no Central Park depois de brincar de gato e rato com um amor virtual. E aquele que aconteceu na casa da Floresta, depois de uma morte trágica. Ou aquele que ela experimentou numa ilha grega, quando descobriu que “sexo é sexo e barco é barco”. E aquele outro, eternizado, em que as ondas do mar não foram capazes de aplacar o furor.

Maria Olívia também experimentou as delícias de triangular uma relação e o ônus e bônus que isso representa, principalmente quando não estamos certos se queremos a paixão ou a estabilidade.

A vida de Maria Olívia é assim: como um filme de amor de Hollywood, sempre com final feliz, mas sempre filme.

domingo, 28 de dezembro de 2008

"Amando sobre os Jornais"

Assim eu queria o amor hoje. O amor que habita qualquer canto, que não se importa com o conforto, que apenas quer ser amor na sua mais e absoluta totalidade.

"A dor da gente não sai no jornal"


“O soldado da Academia da Polícia Militar Eduardo Toledo Santiago, 26, e o agente prisional Rafael Rodrigues Trindade, 26, foram mortos a tiros, à 00h30 desta terça-feira, no Bar Altas Horas, localizado na Rua S1, no Setor Bela Vista, em Goiânia.”
(Diário da Manhã, 24/12/2008)

Como diria Chico Buarque “aqui, a notícia carece de exatidão”. Todos os dias nos deparamos com notícias iguais ou mais crueis do que essa nos jornais. Muitas vezes, de tão banais, fazemos questão de passar ao largo, porque, enfim, é mais uma morte e afinal também, os personagens são anônimos. Dessa vez, entretanto, um dos personagens é da família. Foi a violência chegando na nossa porta e ceifando, barbaramente, a vida de um jovem a quem todos atribuiam as melhores qualidades.

Eu vi esse menino nascer. Ele era o filho mais velho da minha prima Zezé, com quem compartilhei bons momentos na adolescência. Embora não tivessemos contato nos últimos tempos, sabia da trajetória de seus filhos. Zezé é filha da minha tia Deolvira, uma pessoa que amo, respeito e admiro. Foi de cortar o coração. A dor de ver uma mãe perder seu filho, a dor de avós perdendo seu neto, a dor de irmãos, primos, amigos, colegas de trabalho, namorada, todos perplexos diante da barbárie. Todos os olhos procurando uma resposta e todos os abraços tentando o impossível: atenuar a dor daquela mãe.

Eu a vi várias vezes tocando o rosto, as mãos do filho inerte, como a gente confere os filhos quando nascem, sentindo o alívio ao constatar que são perfeitos, de que vieram inteiros do nosso ventre. Mas ali estava o gesto ao contrário, era o abraço demorado de quem, pela última vez, tenta trazer para dentro de si aquele que está irremediavelmente apartado. E ai, Chico Buarque tem de novo o verso preciso “ó pedaço de mim, ó metade arrancada de mim”...porque perder um filho é como vê-lo recolhido para sempre num parto inverso. A cria volta para dentro e lá, passa a ser uma chaga que nunca vai sarar.

Abraçada ao meu filho Guilherme eu agradeci milhões de vezes naquela manhã, por tê-lo ao meu lado e contava os minutos para que o Rodrigo chegasse e eu pudesse sentí-lo, para dar ao meu coração o conforto de que aquela perda não era a minha. Porque nenhuma dor pode ser igual a de perder um filho. Nada pode ser mais cruel. Num minuto você planeja a festa de natal, a viagem de férias e no outro não tem mais nada. Apenas o vazio, a dor, a inaceitável e inexorável ausência. O sentimento de que não deu o último abraço, não falou mais uma vez do seu óbvio amor, não olhou mais demoradamente nos seus olhos. No final, fica o vazio, fica o silêncio, como foi naquela terça-feira, véspera de natal. No final, todos caminhando dolorosamente silenciosos, sem palavra que pudesse expressar o absurdo momento, a separação que ninguém deseja, o filho que fica ali, e que será para todo o sempre uma saudade.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

“Rogai por nós, que recorremos a vós”


Desde sempre sou cobrada na minha família por não ter uma conduta religiosa mais disciplinada. Tenho uma origem católica, tenho um companheiro de formação católica, mas meus filhos não foram criados com o hábito de freqüentar a igreja, assim como eu. Isso, de certa forma, sempre soou como um distanciamento ou até mesmo negligência. Na juventude, não ir à igreja talvez fosse mesmo uma forma de rebeldia. Mas a maturidade promove muitas mudanças e embora eu continue um tanto avessa aos rituais, sinto que a religiosidade vem me envolvendo numa teia.

Ontem estava em casa quando ouvi um cântico religioso. Olhei pela janela e era uma pequena procissão. Algo não muito comum em Brasília, especialmente numa quadra em que todos vivem em apartamentos. Fiquei profundamente emocionada e chorei copiosamente.

Aprendi com minha sobrinha Viviane a rezar e fazer novenas para santa Terezinha. Bem, eu tento ser merecedora de suas graças, já que ela tem uma predisposição não disfarçada em atender a Vivi. (por puro merecimento, diga-se de passagem!) Quando meu filho Guilherme nasceu e passou 44 dias numa UTI neonatal, assim que deixamos o hospital fiz questão de passar com ele na Igreja Dom Bosco, em Brasília para agradecer a benção suprema que havíamos recebido de tê-lo com saúde. Nos 17 dias em que Rodrigo esteve internado numa UTI, pouco tempo atrás, ficava aguardando ansiosa o momento em que padre Jorge vinha rezar com ele e para ele. Sou convicta de que o restabelecimento do meu filho se deu graças a energia imensa de orações vindas de todos os cantos e de sua própria fé.

A fé é um sentimento incrível. Mas não apenas a fé que dedicamos às santidades. Ter fé na vida e nas pessoas é uma forma de estar perto de Deus. Todas as noites faço questão de rezar e agradecer tudo que tenho, que já tive e que terei. Não falo de coisas materiais. Falo da família, dos amigos e da força que todos os dias me impele a seguir em frente, apesar das adversidades, das dúvidas, das angústias, dos medos e dos desafios. Mudança de ano é sempre um momento para renovar a fé e é nela que estou apostando todas as fichas. Que a fé nunca nos abandone e que seja sempre um braço forte a nos amparar e proteger.

Tenha fé em você!

domingo, 14 de dezembro de 2008

"Keep Walking"


Não sei se é a proximidade do final do ano.
Não sei se é a vida me mandando sinais óbvios.
Não sei se foi a música que acabei de ouvir.
Não sei se foi a propaganda que instiga: “keep walking”.
Enfim, sinto-me pressionada a ir adiante. A seguir em frente, a fazer planos.
Mas falta-me ousadia.
Aquela que viveu em mim algum tempo.
Que me fez arrumar as malas numa noite de domingo e cruzar as fronteiras físicas, materiais e emocionais para salvar um grande amor.
Aquela que me fez de aço quando a saúde do meu filho estava em perigo.
Aquela que me fez dirigir um carro por uma estrada desconhecida para ir a um show de jazz.
Aquela que me fez correr para os braços de um estranho.
Aquela que me devolveu a lucidez.
Aquela que me fez olhar a lua e rir sozinha num estacionamento naquele dia tão feliz da minha vida.
O que fazer quando a cabeça é um redemoinho, mas os pés não saem do chão?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

INSÔNIA


Você começa procurando uma posição. Vira para a esquerda. Vira para a direita. Depois coloca um travesseiro entre as pernas. Fica recostada na cabeceira. Depois de um tempo começa a pensar em paisagens bucólicas para serenar o espírito. O relógio vai rolando lentamente e começa o desconforto, porque os pensamentos bucólicos são rapidamente substituídos por outros que remetem às tarefas do dia seguinte, ou melhor, as tarefas de daqui a pouco, porque você se dá conta de que o outro dia já vai chegar.

Depois de uma luta insana toma a decisão: levanta e começa a circular pela casa. Fica observando pela janela todas as luzes apagadas dos outros apartamentos e invejando o sono que a maioria deve estar experimentando. Passa as páginas de uma revista, tenta manter a atenção no livro sobre “Cultura Geral”, mas o pensamento te leva rápido da Grécia para as compras do supermercado que precisa fazer amanhã. (quer dizer, hoje). Então lembra de fazer um chá. Aquele, de laranjas vermelhas, que você comprou na “Casa de Chá”. Que absurdo: 100 gramas = R$ 32,00. Essas laranjas devem ser raras. Aliás, não me lembro de já ter visto uma laranja vermelha. Nossa! O gosto é ótimo, mas espera lá. Dava para comprar um CD. Caramba. É quase metade das compras de frutas e verduras da semana. Imagina se eu tivesse comprado um dos serviços de chá da loja? Tinha um maravilhoso, mas custava mais de 300 reais! Talvez abrir uma loja de chás seja um bom negócio. Afinal, a dona me atendeu pessoalmente e estava vestindo uma roupa linda e tinha um anel maravilhoso no dedo. Uma pedra azul. Também, se ela vender um quilo de chá por dia, pode comprar o que quiser. Deus! Que tipo de pensamento te ocorre numa hora dessas. Mas o chá é mesmo dos deuses. Quem sabe o futuro não seja comercializar laranjas vermelhas? Imagina o que mais se pode fazer com elas. Talvez uma máscara de rejuvenescimento.

Sinto-me tensa. Amanhã, quer dizer, hoje vai ter uma festa aqui em casa. Vou receber pessoas que nunca estiveram aqui. Estou excitada com a idéia. Sei que vai ser tri divertido, mas amanhã vou ter que ser a tal mulher multifuncional. Tenho que fazer as unhas – que estão um lixo! Cortar o cabelo e escovar e no meio disso tudo tenho que fazer o jantar, comprar os petiscos, participar de uma banca de TCC e ainda por cima trabalhar. Deus! Como é que vou conseguir? Eu vou conseguir. Poxa! Como as cadeiras da sala estão sujas. O tecido está velho. Mas não dá tempo de lavar, nem de trocar. Será que as pessoas vão perceber essa mancha? E o pernil? Será que vai ficar tão bom como o que minha mãe faz? Usei um pouco de canela. Acho que vai dar um sabor exótico.

Céus! E ainda preciso comprar o presente de amigo oculto. Não entendo porque os shoppings e salões de beleza não funcionam na madrugada. Ao contrário de perder horas lutando com a insônia podia resolver todas as minhas pendências. Talvez abrir um salão que funcione 24 horas seja um bom negócio. Já pensou? Uma massagem numa hora dessas? Uma limpeza de pele? Você ia amanhecer sem olheiras. Aliás, olheiras é o que terei amanhã. Quer dizer: hoje. Acho que está na hora de apelar para o Rivotril. Tomar a outra metade.

Podia ter um dispositivo que indicasse as pessoas que você conhece e que também estão com insônia. Era uma boa hora para interagir. Já pensou ligar para alguém e perguntar: “oi, você está acordada”?

Incrível, mas esse chá vale cada centavo. É uma delícia. Não posso esquecer de comprar os guardanapos. Será que petiscos árabes combinam com pernil? “Do coquetel à festa chique: o plano de beleza perfeito para você arrasar em todos os eventos de final de ano”. É uma das chamadas de capa da revista. E tudo que eu quero é dormir e estar viva para a festa de amanhã. Quer dizer, de hoje.

É melhor voltar para a cama e tentar dormir. Deus é pai. Eu vou fechar os olhos e o milagre do sono há de se materializar. “Boa noite e boa sorte”! Que assim seja.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

"Primeiros (e definitivos) Erros"



Se fosse fazer um ranking das minhas músicas preferidas, “Primeiros Erros”, do Kiko Zambianki (mas que a gente ama na voz do Dinho, do Capital Inicial) estaria entre as cinco mais queridas.

Fazia tempo que não ouvia essa música, já que nos últimos tempos a obsessão pela música do Drexler toma conta da minha vida. Os versos ficaram martelando na minha cabeça. “Se um dia eu pudesse ver, meu passado inteiro e fizesse parar de chover, nos primeiros erros, meu corpo viraria sol, minha mente viraria sol, mas só chove, chove...”

Os erros. Ah! Sempre os erros. E a dificuldade de voltar atrás e consertar. Essa idéia tomou conta de mim, ficou me espreitando o dia todo e embora eu fizesse de conta que não era comigo, lá estava a minha mente apontando para os erros, os primeiros, os costumeiros, os inevitáveis erros.

O erro do dia? Ter comprado por puro impulso um sapato preto porque queria combinar com um vestido. É claro que tenho pelo menos uns dez pares de sapatos pretos, mas nenhum parecia adequado. Depois de passar um dia inteiro com aquele sapato me apertando, maltratando meus pés, fiquei me penitenciando por mais uma compra feita não pela necessidade, apenas porque havia um vazio que não podia ser preenchido de outra forma. Se não é possível mitigar os males da alma, vamos ao shopping.

Sinto-me muito alegre nos últimos dias, mas percebo que algo não está exatamente bem. Sei disso porque comprei uma estante de uma colega que está fazendo um “garage sale”. Eu não estou precisando de uma estante, não como essa. Ontem eu comprei uma faca elétrica. Eu sempre desejei uma e afinal, vai ser a festa do Giovani, eu vou servir pernil e imaginei que seria impossível cortar essa carne da forma tradicional. Comprei também uns copos, na verdade, uma dúzia. Eu tenho problemas com copos. Sempre quero comprá-los. Como já estava mesmo na Casa do Rio Grande do Sul, aproveitei para comprar outras quinquilharias domésticas.

Bem, hoje comprei um edredon. Sai pelo shopping (por um infortúnio eu trabalho em um) e não conseguia pensar em nada que eu quisesse, quando súbito, me dei conta de que queria um edredon. Comprei. Afinal, “chove, chove, chove”...

Erros. Sempre os erros. E esses nem são os piores. O que dizer daquele amor que você perdeu porque tentou de forma demasiada ser ele e não você? E aquela conversa que você abreviou porque jurava que ia encontrar a pessoa em poucos dias, mas ela se foi antes que essa oportunidade chegasse? E aquela garota que você passou meses achando que era uma chata de galochas e no fundo era uma amiga inigualável e agora você tem que passar anos sem vê-la, porque a distância fez o favor de juntá-las e separá-las, tudo ao mesmo tempo agora? E o que dizer daquela amiga que você acolheu e que hoje não fala sequer um “oi”? E o tempo enorme que você perdeu querendo que seus filhos fossem pessoas que eles não estavam vocacionados a ser?
E todos os atalhos que você vive escolhendo, mesmo sabendo claramente que esse caminho não te levará a lugar algum?

Enfim, como saber que os erros são erros? Você sabe? Eu, não.