quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Insônia "blues"


Se esse fosse um programa de rádio eu diria: “Boa noite ouvintes, noite chuvosa e cá estou, na madrugada, conversando com vocês enquanto a água bate mansinho na minha janela”. Eu adoro chuva. E, principalmente, adoro dormir em noite de chuva. O som da água caindo só não é mais relaxante que barulho de mar. Mas vejam vocês. Ou leiam vocês. Estou aqui, com o cenário ideal para uma adorável noite de sono, vivendo a atordoante insônia. Tem sido assim. Nas últimas noites eu acordo invariavelmente por volta de quatro da manhã e ao contrário de desfrutar o quentinho aconchego do edredom fico aqui caraminholando, divagando, ou como diria minha sábia mãe, “pensando na morte da bezerra”.

Deve ser o efeito ano que termina e a invariável pergunta que não quer calar: O que 2011 reservará para minha vida? Ah! Essa maldita angústia que não consegue esperar que a vida siga seu curso natural e esse imprestável sofrer antes, aquilo que só virá depois.

E sabem a única coisa que me ocorre nessa ausência de sono? O poema recitado no filme “Quatro Casamentos e um Funeral”.

Funeral Blues (W.H. AUDEN)

"Parem os relógios.
Cortem os telefones.
Impeçam os cães de latir.
Silenciem os pianos.
E, com um toque de tambor, tragam o caixão.

Venham os pranteadores,
Voem em círculos os aviões,
Escrevendo no céu a mensagem: “Ele está morto!”
Ponham laços brancos nos pescoços das pombas.
Usem os policias luvas pretas de algodão.

Ele era o meu norte, meu sul, meu leste, meu oeste.
Minha semana de trabalho e meu domingo de descanso.
Meu meio-dia, minha meia-noite.
Minha conversa, minha canção.
Pensei que o amor fosse eterno.

Enganei-me.
As estrelas são indesejadas agora.
Dispensem todas.
Embrulhem a lua e desmantelem o sol.
Despejem os oceanos e varram os bosques."



segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"GOD ONLY KNOWS"


“Sempre que me entristeço com o mundo penso nos portões de chegada do Aeroporto de Heathrow. Dizem que vivemos num mundo de ódio e ambição, mas eu não acho. Sinto que há amor em todo lugar. Nem sempre algo que valha alguma manchete, mas está sempre ali. Pais e filhos, mães e filhas, maridos e mulheres, namorados, namoradas, amigos antigos. Se procurar creio que descobrirei que simplesmente, o amor está em toda parte”.

Quando fico triste ao contrário do autor dessa frase não vou para os portões de chegada dos aeroportos. Simplesmente aperto “play”. Essa é minha fórmula para minimizar a tristeza. Às vezes dá certo. Por exemplo, quando aposto num título como o do filme que começa com a frase que iniciou esse post: “Simplesmente amor” ou “Love Actually”. Nele, há uma profusão de encontros de amor que fazem a alegria de qualquer coração.

Como resistir à história do inglês traído que encontra o amor numa portuguesa que limpa sua casa e embora um não entenda o idioma do outro, ainda assim, são arrebatados pelo mesmo sentimento?

Como não ficar com o coração apertado ao ver o amor impossível do outro inglês pela mulher do seu melhor amigo? Que cena é aquela em que ele usa cartazes para declarar o amor que não pode ser dito, mas não quer se calar?

“God only Knows”... a música diz tudo.

Mas esse não é um post sobre o amor, embora ele esteja em toda parte, principalmente nos filmes. Escrevo, pois além do cinema essa é também uma maneira de atenuar a tristeza e hoje ela está exasperante. Assim como o amor, a tristeza também está em toda parte. Principalmente, em mim.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Foi Natal!!


O natal sempre foi especial na minha vida. No natal ou próximo dessa data muitas coisas importantes aconteceram para mim. Em 1969 eu passei o último natal com meu pai. Ele estava doente e saiu do hospital para ficar conosco. Há fotos dele dessa ocasião. Ele está muito triste. Por uma infelicidade ele se foi na manhã do dia 03 de janeiro de 1970. Eu nem tinha 10 anos e durante muito tempo essa tristeza foi uma chaga. Eu sentia e sinto ainda uma falta incrível dele.

Mas o natal também reservou muitas alegrias. Foi num natal que eu dei à minha família a noticia da minha gravidez. Lembro de ter comprado presentes para todos e que, particularmente minhas sobrinhas, ficavam felizes com esses mimos. Fiz o anúncio público do nascimento do Guilherme sob o olhar de constrangimento dos meus irmãos, mas a alegria indisfarçável da minha mãe que sempre me apoiou.

Tivemos vários pré-natais. Eu e meu grupo de amigas, Ana, Cláudia, Fernanda, Rita e Solange. Havia alegria em demasia e as brincadeiras faziam de nós um grupo que mais parecia de adolescentes e não de “senhoras” mães de família.

Os natais em família também eram muito alegres. E eu sei que tinha responsabilidade em torná-los assim. Sempre me empenhei em criar brincadeiras, comprar dúzias de bugigangas para dar à festa leveza e diversão. A Cristina sempre foi minha “vítima” favorita. Era para ela que eu me desdobrava na busca do presente mais bizarro. Ela já sabia e acho que até contava com isso. Num ano fui atrás das particularidades de cada um e fizemos uma espécie de “quiz”. Os micos eram garantidos. Quem não se lembra de sortear uma frase aleatória e fazer uma declaração diante de todos. Alguém é capaz de visualizar o meu irmão afirmando com toda sua sisudez: “eu sou gay”? E minha mãe roubando na dança das cadeiras? E quem consegue esquecer o primeiro amigo oculto do qual o Guilherme participou. Ele me chamando no cantinho e segredando desconfiado: “mamãe, eu tirei uma pessoa que não é da nossa família”. Tudo isso porque alguém teve a brilhante ideia de colocar no papelzinho o nome Anileide, verdadeiro nome da minha cunhada Leda.

Enfim, como diria Roberto Carlos: “são tantas emoções”.

Nesse ano pela primeira vez passei o natal longe de minha mãe e da minha família. Foi necessário. Fizemos uma confraternização de família. Nós quatro, mas não foi igual. Isso me afetou de tal forma que passei o dia acamada. Agora tudo que quero é que esse natal termine e que o próximo seja como todos os outros: ao lado da minha família. Nada no mundo é mais importante que as pessoas que amamos. Com festa, sem festa. Com presentes ou não. Sempre fazemos promessas para o ano novo. Que a minha, portanto, seja: nunca mais terei um natal como esse. Nunca mais, por nada, a não ser por morte ou doença terei um natal como esse. De tristeza, solidão e desalento. E não apenas o natal. Nenhum dia da nossa vida deveria ser pontuado de tristeza e melancolia.

domingo, 5 de dezembro de 2010

INVENTÁRIO MUSICAL



Dias de faxina. Minha casa foi se transformando, pouco a pouco, num grande acampamento. Se pusesse uma bandeira vermelha, poderia ser reduto do MST. Nos últimos tempos fui deixando tudo de lado, principalmente meus discos. Eles estavam entulhados e jogados em “terra de ninguém”. Nos últimos dias decidi colocar ordem no pedaço e fiz descobertas surpreendentes. Primeiro, a enormidade de discos que se foram, ficaram apenas as caixas. Entre eles, uma preciosidade que o Giovani me deu: um disco do Fernando Cabreira, que ouvi uma única vez e virou fumaça, mas a surpresa! Eu encontrei.

Descobri, aliviada, que tenho mais discos do Chico Buarque, que do Drexler. Eu alimentava um sentimento de culpa em relação a isso, que foi motivo até de um sonho bizarro.

Sobre o Drexler, aliás, fiz uma descoberta que reforça o surto obsessivo compulsivo. Tenho todos os discos lançados por ele. Claro! Mas a curiosidade é que do “Eco”, por exemplo, tenho quatro exemplares, além de três DVDs. Dos demais títulos, com exceção de “Amar La Trama” tenho as cópias duplicadas de todos.

Enquanto arrumava os discos, eu ouvia. Que terapia é a música. E como é traiçoeira também. Elis Regina é realmente a cara dos meus vinte anos e do amor desse tempo. Ana Carolina me transporta, súbito, para um tempo em que perdi o juízo e a razão. Milton Nascimento pode ser um ícone, mas depois de “Clube da Esquina”, nenhum outro disco conseguiu me ganhar. Gosto de Caetano Veloso, mais que imaginava, principalmente de “Fina Estampa”. Leila Pinheiro é a cara do Daniel. Não porque ele a adora, mas pelo show de Buenos Aires e, principalmente, o depois do show.

A maioria dos meus discos lembra a Vivi. E olha que nem tenho Elizeth Cardoso. É que organizando minha vida musical, foi possível perceber a influência que ela teve nas minhas escolhas. Eu apresentei o Drexler, mas coube a ela me mostrar Kevin Johansen – de quem, também, tenho discos repetidos – Bajo Fondo, Jarabe de Palo, Orishas, uma linda coletânea de música cubana, Marina de La Riva, Nina Simone “antes e depois do amanhecer” e uma infinidade de outros cantantes.

Aliás, fiquei impressionada como gosto de música latina. Encontrei Astor Piazzolla, o tango definitivo antes dos eletrônicos. “Cuarteto de Nos”, Alejandro Sanz, Mana, Gipsy Kings, Pablo Milanez – apesar de todo meu dissabor com Cuba - Luiz Miguel – um montão, que afinal, não tem nada melhor para ressaca de amor – Trini Lopez – que na verdade é americano, assim como Cris Montez.

É incrível, mas tenho até Zeca Pagodinho. Fiquei bege! E um disco do Fagner. Mas trata-se de uma coletânea com as primeiras músicas, inclusive, “Cebola Cortada”. Tem Belchior, Beto Guedes, Lô Borges, Guilherme Arantes, Gal Costa, mas não tenho Maria Bethânia e isso me deixou profundamente aliviada. Elba Ramalho, nem pensar. Mas tenho Geraldo Azevedo, Raul Seixas e a Fafá de Belém fingindo que sabe cantar Chico Buarque. Tenho até discos da Simone, que outrora, já teve um lugar especial no meu coração. Pensei que tinha mais Adriana Calcanhoto e fiquei chocada: tenho dúzias de Nana Caymi. Isso me lembra o João Angelo falando que não há nada melhor para acabar com uma festa que colocar um disco dela para tocar.

Foi uma delícia encontrar Nara Leão, Angela Roro...”Tola foi você, ao me abandonar...” Boca Livre, MPB 4, Quarteto em Cy, e os imprescindíveis: João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes – como é que se pode viver um grande amor, sem essa trilha sonora? – E que bálsamo, Paulinho da Viola e até mesmo Adoniran Barbosa. E Ivan Lins. “Lembra de mim, dos beijos que escrevemos no muro a giz”...

Ia estufar o peito para dizer que não manchei minha biografia com os sertanejos, mas sou obrigada a confessar que estão lá Willie Nelson e Kenny Rogers.

Os anos oitenta não poderiam faltar, mas acredite: não tenho um único disco da Blitz!!!! Mas estão lá: RPM, Ultraje...Claro, Paralamas, Titãs,muitos, Capital, evidente! E nada de Legião Urbana. Eu descobri recentemente que Renato Russo é um gênio e preciso reparar a sua ausência na minha vida musical. Sim, para Kid Abelha, e os solos de Paula Toller e Leoni. E incontáveis Lulu Santos, “Faltava abandonar a velha escola, Tomar o mundo feito Coca-Cola, Fazer da minha vida, Sempre o meu passeio público, e ao mesmo tempo fazer dela o meu caminho só, único!”

Estão lá as divas: Billie, Sara, Dinah e Dionne Warwick. E bem pertinho, Louis Armstrong, Nat King Cole, Duke Ellington. Também marcam presença: Plácido Domingo, Pavarotti e as “new age”: Enya, Loreena McKennitt e Sarah Brightman.

Sim, temos Barry White “you’re the first, the last, the everything” e Tony Bennet e muito, muito Frank Sinatra. Temos também o sucessor: Harry Connick Jr. que conheci por conta da trilha de “Harry e Sally”.

E por falar em cinema, estão lá as trilhas de Cinema Paradiso, Forrest Gump, O Poderoso Chefão, Evita, Blade Runner, Nove e meia semanas amor... “Baby, take off your coat, real slow”... mas… “you can leave your hat on”!

E Madredeus. “Haja o que houver, eu estou aqui. Haja o que houver, espero por ti.” E os clássicos, a origem de toda música.

Agora estão todos ao alcance das mãos. Para a dor ou o amor. Para lembrar ou esquecer. Para rir ou chorar. A música é isso. Antídoto, recanto e abraço.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

"VÂNIA MASSI DA CUNHA, "EX" GONZAGA"


Uma amiga perguntou-me se eu acreditava em pessoas sensitivas. A pergunta me lembrou a Vânia. É que há entre nós uma estranha química, que não sei se pode ser atribuída a sensitividade. Sempre que pensamos na outra, que ansiamos por noticias, uma de nós se comunica. É como se tivéssemos essa sintonia fina, uma linha invisível que nos une e que nos aciona, sempre que precisamos estar em contato.

Fazia muito tempo que queria escrever sobre e para a Vânia. Trata-se de uma das pessoas mais especiais que conheci. A vida nos juntou numa repartição pública, em Goiânia, a mais ou menos trinta anos. Era meu primeiro trabalho. Nossa aproximação aconteceu, provavelmente, por iniciativa dela, já que era muito mais comunicativa e fazia amigos em profusão, pois era a simpatia em pessoa.

Em tempos de poucos recursos, nossa diversão favorita era uma lanchonete que ficava nas proximidades da Prefeitura onde devorávamos um delicioso bolo de cenoura com calda de chocolate e outros quitutes. Tantos, que ela ria e declarava que éramos portadoras de um “estômago de avestruz”.

Nesse tempo eu começava um namoro. Ela terminava um casamento. Nossa primeira conversa mais intima surgiu quando, num afastamento do trabalho, fui visitá-la na casa da mãe. Ela estava com um lenço cobrindo a cabeça. Com seu tradicional bom humor, disse que metade de seu cabelo tinha ficado nas mãos do ex-marido depois de uma briga. Foi chocante ouvir aquilo, mas uma admiração surgiu de imediato, pois ela fez questão de relativizar o seu papel de vitima.

Nossa amizade foi se consolidando e eu poderia citar inúmeras situações que a vida nos permitiu viver juntas. A marca registrada de todas: o humor inigualável da amiga que ria e mostrava suas covinhas, dona de histórias incríveis de superação. Contou-me, por exemplo, de uma ocasião em que o marido voltou bêbado. Ela foi tirar satisfação. Ele, então, começou a atirar dentro de casa. Eu, perplexa, perguntei: “e o que você fez?” E ela, com seu impagável sorriso, devolveu: “eu aprendi a pular muro”.

Outra história do “ex” que virou um hit. Ela contava que ao confrontá-lo depois de uma noitada, querendo saber onde estava e o que estava fazendo, ele respondeu: “abstenha-se de comentários improfícuos sobre a minha pessoa”. Nunca mais esqueci.

Quando conheci a Vânia, Octaviano, seu filho, era um menino de uns cinco anos. Dotado de uma inteligência impressionante, em muitas situações estava conosco nas baladas. Fazia perguntas que estavam além da idade, mas era um menino adorável de quem eu aprendi a gostar como de um sobrinho. Admiro-a profundamente, pois apesar das adversidades – foram muitas – ela foi capaz de dar ao Octaviano uma educação de primeira, e falo, principalmente, sobre caráter e dignidade. Embora, eu nunca tenha concordado com seus métodos “cruéis”, como o de se negar a dar presentes de Natal para o garoto, afirmando que o aniversário era de Jesus, não dele. Coisas da Vânia. Fazer o que?

Posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que a Vânia esteve presente nos principais momentos da minha vida. Houve um tempo em que nossos encontros se davam numa lanchonete perto do seu trabalho. O nome era “Manga Rosa” e a especialidade eram sucos. Era lá, que, heroicamente, ela se resignava ou porque não, repugnava, me vendo tomar suco de melancia, uma fruta que detesta. Enfim, o que posso dizer, esse é outro de seus desvios de caráter.

Parece incrível que alguém com o desprendimento da Vânia tenha medo de elevador, de índio e de filme de terror, mas que prova de amizade ela me deu assistindo, mesmo que trêmula, ao filme, “Um Beijo Antes de Morrer”, que era um suspense razoável, que ela viu quase enfartando, para acolher um desejo meu.

Fizemos duas viagens memoráveis. A primeira, para Marzagão, uma micro cidade, para passar o carnaval na casa da minha prima Ruth. Foi bizarro. Não conseguíamos imaginar que a vida pudesse nos colocar em tamanha cilada.

A outra viagem foi para Ouro Preto. A Vânia estava confusa e havia conhecido um garoto, jovem estudante e decidimos fazer uma surpresa. Foi uma viagem marcante. Fomos parar numa cidade sem nenhum planejamento prévio. Na tentativa de encontrar um local decente para ficar, nos deparamos com situações inacreditáveis. Fazia frio, as casas eram velhas e tinham cheiro de mofo, o que, automaticamente alimentava a minha asma, além disso, o “sobe e desce ladeira”, tornava a aventura ainda mais complicada. Vânia encontrou o garoto, que morava na República Maracangalha. Lá, conhecemos outra porção de jovens, dançamos, bebemos, fizemos farras, e muitos novos amigos. Foram muitas emoções, e a minha reputação seria fortemente abalada se eu contasse os detalhes. Eu poderia fazer menção a um chapéu com uma pena verde passando pela janela. Os simples mortais achariam que trata-se de excesso de Rivotril, mas a Vânia, essa vai rir e vai rir, e vai rir....

Por falar em ciladas, não poderia me esquecer de uma noite em que eu, ela, Luiz Arthur e um garoto amigo dela, cujo nome não consigo lembrar, fomos assistir uma palestra sobre o regime comunista. Poxa! A gente devia mesmo estar sem nada para fazer. Depois, fomos parar numa festa na casa de uma amiga dela, em que as pessoas jogavam truco e só tocava música sertaneja. Diante de tamanha bizarrice, o amigo dela olhou e disse: “essa festa é muito “baguá””. Isso foi motivo para que passássemos horas dando risada. Principalmente, quando o amigo, que era bem bonito, começou a fazer sucesso entre o mulherio e a receber propostas para dançar. Muito delicadamente ele declinava, lamentando, mas justificando que “só dançava ópera”. Mais risadas. E claro, saímos correndo de lá.

Cilada também foi a passeata que percorremos em apoio a um certo candidato, que custou a ela uma sapatilha novinha comprada nas Casas Pernambucanas e a mim, uma lembrança que nunca se apagará.

Amigas têm seus códigos, suas senhas. Sou capaz de apostar todo o meu dinheiro como ela jamais vai se esquecer de frases como: “descansa minha criança”, ou “suportou enquanto pode”. Tenho certeza de que vai lembrar com alegria da noite das margaritas, quando a gente começou a achar o garçom bonito e depois, eu cometi a loucura de uma ligação a cobrar no meio da madrugada.

Impossível, também, esquecer da noite em que entrou no meu carro e viu nos meus olhos que eles tinham um brilho novo. Foi confidente dos meus devaneios e do meu sonho impossível de felicidade. Amigos são assim.

Aliás, no terreno dos romances andamos por caminhos tortuosos. Cada uma, no seu tempo, experimentando a “dor e a delícia de ser o que é”. Houve um caminhoneiro, o “jogral luterano” e a “saga nordestina”. Houve dor, tristeza, desilusão, mas, acima de tudo, muita vontade de encontrar “a metade afastada de mim”. Penso que esse tempo finalmente chegou. Tão longe, tão perto, não é mesmo, Vânia? O amor cumprindo seu destino, confirmando os versos de Chico Buarque, de que “nada é prá já, o amor não tem pressa ele pode esperar, em silêncio...”

Foi a Vânia a primeira amiga que me disse que Helvécio e eu íamos dar certo, isso, quando todos apostavam no contrário. Aliás, eles se conheceram de uma forma inusitada. Ela veio me fazer companhia, pois ele tinha feito uma viagem. Seu plano era ficar um dia e acabou se demorando mais, portanto, emprestei-lhe uma roupa dele para que pudesse dormir. Estava nos primeiros meses da gravidez do Guilherme e muito chateada, pois Helvécio havia ligado para avisar que ao contrário do que prometera, não iria chegar naquela noite. Sentadas na sala de TV, desfiei o rosário com o tradicional discurso sobre como os homens são “filhos da puta”. De repente, soou a campainha, a Vânia atendeu e era Helvécio, fazendo uma surpresa. Ela, vestida como ele, riu, e claro, eles se tornaram amigos para sempre.

Nossas histórias, mesmo nos momentos mais tristes, foram pontuadas pelo bom humor, sobretudo, eu diria, pela lealdade, pela entrega, pela amizade, aquela que como não canso de repetir, passa à categoria de irmandade.

Eu poderia falar um milhão de coisas sobre a Vânia. Há muitas e engraçadas histórias, palavras de carinho que gostaria de deixar registradas, gratidão pelo carinho que ela dedicou não apenas a mim, mas às pessoas da minha família, como meus filhos, minha mãe, minhas sobrinhas. Agradecer pelo ombro, pelo colo, pelas palavras de apoio, pelas broncas e pelas orações.

As palavras são singelas, amiga, mas o amor é de requinte, foi lapidado, esculpido com cuidado, esmero e é para sempre, como para sempre são os diamantes. Essa é uma amizade que tem status de jóia. Rara. Preciosa.

Te Amo.

Ps. A música é da trilha sonora de “Os Maias”. Acho que você vai se lembrar.



Ps. Provavelmente vou precisar imprimir esse post e te mandar pelo correio, afinal, a Internet não é seu lugar.

domingo, 28 de novembro de 2010

De volta "à Prisão"


Eu sou daquelas pessoas óbvias. Vergonhosamente, óbvias. Isso se reflete na minha obsessão por tudo que conheça e me ofereça um pouco de segurança. Esse desvio se manifesta fortemente no gosto por filmes ou séries que já vi e que, vez ou outra, vejo de novo, e de novo...e outra vez.

Nessa semana tive um revival de “Prison Break”. Já falei da saga de Michel Scolfield e Linconl Burrows. Dois irmãos e a tentativa do primeiro para libertar o segundo, preso injustamente e a caminho da execução no corredor da morte. Esgotadas as possibilidades de provar a inocência do irmão pelas vias legais, Scolfield planeja sua fuga e isso significa ser preso no mesmo lugar o que permite contar uma boa história cheia de reviravoltas e de personagens inesquecíveis, como o nefasto “T-Bag”.

Devo a Prison Break acelerar os ponteiros do relógio e fazer o tempo ser menos hostil nesses dias de tédio e de angústias. Envolvida na trama, cujo final já conheço, mas que não para de me encantar vou tocando meus dias e noites. De vez em quando percebo o olhar de surpresa do Helvécio e dos meus filhos, algo que pode ser traduzido por: “de novo”?

Enfim, como já disse em outros momentos, na ausência de uma história pessoal de aventuras e desprendimento, na expectativa do que me espera, dos medos e da mais completa falta de coragem para enfrentá-los, vou mascarando a realidade com doses de adrenalina fake, vou me inserindo na trama de Michel Scolfield, embevecida com seus olhos azuis e sua obstinação. Essa é a minha estratégia de fuga.






quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Amigos Possíveis


Quando vim morar em Brasília, a despeito da novidade de começar uma nova vida, me assustava muito com a solidão. Eu estava deixando minha família e bons amigos. Os primeiros tempos por aqui não foram fáceis. A solidão era realmente um pesadelo. Eu olhava da sacada do apartamento e sofria pela ausência das pessoas queridas. Naquele tempo não tínhamos a facilidade da Internet e o contato só podia ser feito por telefone – era caro – ou por carta. Era barato, mas elas demoravam para chegar. De qualquer forma, todos os dias a primeira coisa que fazia ao chegar em casa era conferir a caixa de correspondência e depois, esperava ansiosa pelo toque do telefone.

Com o tempo isso foi mudando. Fazer amigos, nunca foi um problema para mim, mas até que isso aconteceu, a maior dificuldade era a falta de alguém para conversar. De falar as coisas simples do dia a dia.

Na falta dos amigos eu me agarrava ao que era possível. Lembro, por exemplo, que eu saia de casa cedo e sempre que perdia a hora, precisava ir de Taxi. Usava, naquele tempo, o serviço de um ponto que ficava na Asa Norte e era atendida por um mesmo motorista. Quando ele me deixava no trabalho dizia: “bom dia, fica com Deus”. Acreditem. Eu chorava, pois era como se fosse o meu irmão, ou um amigo, ou um parente que me dava carona e que se importava comigo.

Eu costumava tomar o café da manhã na Galeria dos Estados, numa lanchonete que servia sucos naturais. Lembro com carinho que uma das atendentes sempre fazia meu suco e que quando eu chegava e era atendida por outra, que perguntava: “com água ou leite?” a que me atendia todos os dias, retrucava: “ela não toma leite, é com água”. Isso me dava à impressão de uma mãe zelosa com as manias de seus filhos.

Outra pessoa que cuidava de me acolher e de fazer com que eu me sentisse menos solitária era a faxineira. Dona Zenilde. Ela nunca me deixava sair sem um: “vai com Deus, filha.” E isso era um alento.

Havia também a atendente da Livraria que até me propôs abrir uma conta, pois era uma cliente regular. Ela sabia meu gosto, separava títulos interessantes e conversávamos sobre os livros. Foi ela quem me apresentou à obra de Manuel Puig, antes mesmo de “O Beijo da Mulher Aranha”. O mesmo fazia o vendedor de discos que um dia me disse: “Leva esse. Você não vai se arrepender”. Era o “LP” de Lulu Santos, com uma capa vermelha e foi minha primeira aquisição “pop”, pois eu era uma xiita musical. No meu conceito de MPB daquele tempo só cabia Chico Buarque, Caetano Veloso, João Gilberto e outros desse time.

Por fim, fui conhecendo pessoas, fazendo amigos e me inserindo no universo dessa cidade particular. Conheci pessoas que eu pensei que seriam para sempre, mas como diria Renato Russo, “o prá sempre, sempre acaba”.

Considero ter sido uma amiga fiel, acho que muitas vezes coloquei os amigos acima até dos meus próprios interesses. Os amigos sempre foram uma prioridade, pois como já tive a oportunidade de dizer, eles são irmãos que não se impõem pelo sangue, mas pela escolha. Entretanto, uma das coisas mais duras que aprendi, foi que mesmo quando escolhemos gostar das pessoas, isso não garante que elas sejam obrigadas a gostar de nós.

Nos últimos tempos, sinto como nos primeiros meses em Brasília: uma solidão imensa. O telefone não toca. Ninguém vem me visitar. Meus dias são feitos de um vazio insuportável e da expectativa de que a noite venha e Helvécio chegue para que eu tenha com quem falar. Às vezes, ligo para minha mãe para falar de coisas bobas, apenas para não me sentir só. Ontem, me sentia tão triste e só, que decidi sair um pouco. Fui ao Brasília Shopping, um lugar que sempre me traz boas lembranças. Fiz um lanche, tomei sorvete, comprei DVDs, pois os filmes têm sido – sem trocadilhos – “bons companheiros”.

Quando sai do shopping encontrei na rua um desses amigos anônimos. É um garoto chamado Marcos. Ele vende doces no cruzamento da Rodoviária e desde muito tempo fala comigo como se nos conhecêssemos desde a infância. Ele me viu e veio com os olhos alegres perguntar como eu estava, porque estava tão sumida. Fiquei profundamente emocionada. Amanhã, vou me encontrar com a Edna. Ela é a minha podóloga. Sempre que vou até lá, ela me trata com uma deferência que transcende a relação de bom atendimento ao consumidor. Ela carinhosamente se preocupa com a minha saúde, da última vez, me achou tão abatida, que me ofereceu uma massagem relaxante e sempre me mima com palavras de apoio e esperança.

Assim como não podemos contar com príncipes, amigos também, são aqueles possíveis! Isso é o que temos para o momento.


domingo, 21 de novembro de 2010

Sobre Principes Encantados...



Como é de domínio público, minha principal diversão nos últimos tempos é assistir filmes que foram lançados há dez, vinte, trinta anos. Eu vou às Lojas Americanas e compro DVDs que tenham tido algum significado. Da última vez, eu trouxe para casa “Uma Linda Mulher”. Sim, o conto de fadas protagonizado por Julia Roberts e Richard Gere.

Hoje eu o assisti. E claro, chorei ao final quando o príncipe Edward Lewis arrebata Vivian, sua princesa plebéia, a despeito dela ser uma prostituta e ele, um milionário.

Na vida real sabemos que não funciona bem assim, mas nós mulheres sonhamos, de forma infantil e inacreditável, com um príncipe que irá nos resgatar da torre em que somos mantidas reféns por alguma bruxa malévola.

Eu sempre acreditei em príncipes. Desculpe, apesar de já ter feito o estilo “independente futebol clube”, sempre achei que a felicidade estava, intrinsecamente, associada ao amor de um homem e sua capacidade de prover minha lista de desejos e aspirações.

Meu primeiro príncipe se chamava Ricardo. Não! Eu nunca conheci um Ricardo de verdade e sequer me apaixonei por um. Quando adolescente, simplesmente achava que Ricardo era um nome que estabelecia uma estreita vinculação com a categoria de príncipe. Ricardo Albuquerque era perfeito. Ficava horas me imaginando Ana Maria Monteiro de Albuquerque. Quando li “Os Maias”, de Eça de Queiróz, fiquei tentada a ser Ana Maria Monteiro Castro Gomes. Sim, eu sei que esse não era o mocinho da trama, mas o sobrenome me parecia mais imponente que “Maia”.

A vida foi me ensinando que não há nada mais improvável que o amor de um príncipe. E claro, quando falo de príncipe estou considerando aquela categoria de homem que é capaz de arrebatar o coração de uma mulher, de tirar-lhe o sono, de fazê-la flutuar, mesmo que seus pés não saiam um tantinho sequer do chão. Daqueles que a gente vê nos filmes de Hollywood, com final feliz, nos quais sempre tem música quando o inacreditável beijo acontece.

Quando chorava ao final de “Uma Linda Mulher”, senti uma mão segurando a minha. Não era sonho, era o meu imperfeito príncipe. Aquele que me coube ter. Ele não é de exímia beleza, ele não sabe as falas dos príncipes do cinema, por vezes ele é tosco, como o “Shrek”, mas é ele que enxuga minhas lágrimas e sabemos que nos últimos tempos elas são quase como uma torneira aberta pingando sem parar. É ele quem me acolhe nas horas em que tudo parece não ter solução. É para ele que meu pensamento se dirige, sempre que me sinto em perigo. E embora ele não empunhe uma espada e nem monte um cavalo branco, é graças a sua generosidade e proteção que minha vida parece ter algum sentido nesses dias em que as nuvens de chuva insistem em rondar meu reino. E sinto, sempre que ele me envolve com seu abraço terno, que estava pronto, me esperando, “mil dias antes de me conhecer”....

“Vivia a te buscar,
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu
Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer”...

(Valsa Brasileira, Chico Buarque)


sábado, 20 de novembro de 2010

"SOU EU"...


O samba não é meu ritmo favorito. Tempos atrás eu gostava dos clássicos, incluindo nesse roll o inigualável Chico Buarque, que convenhamos, não pode ser enquadrado na categoria de sambista. Ele é, e sempre será mais que isso.

Nos últimos dois dias, entretanto, o samba entrou para o meu repertório de honra. E isso aconteceu graças a Diogo Nogueira. Aliás, justiça seja feita, só fiz essa concessão por conta de seu pai, João Nogueira. Os dois têm timbres de voz muito parecidos e eu decidi me dar o DVD gravado por ele, com a participação de Chico Buarque e Ivan Lins.

Foi uma ótima surpresa. A música me contagiou, eu até ensaiei uns passinhos e depois de muitos dias vivendo no limbo, tomada pelo medo, angústia e ansiedade, fui capaz de sorrir, de me alegrar com o ritmo, com as letras e também me emocionar.

O melhor disso? Ouvir uma música que também toca o coração do meu filho Rodrigo. Foi ele quem me disse um dia desses, “mãe, compra o disco do Diogo Nogueira, você vai gostar.” E ontem, ficamos os dois aqui na sala ouvindo juntos, uma música que está além dos rótulos. É disso que gosto, de música que é boa independente do carimbo.


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

BR 060


Em 1970, Tony Tornado ganhou o Festival Internacional da Canção com a música “BR 3”, que falava sobre a famosa rodovia que liga o Rio a Belo Horizonte. Virou um hit, em especial, pela coreografia que o cantor criou. Bem, mas esse post não é sobre a música, nem sobre a importância dos festivais.

Voltei hoje de Goiânia. Faz muitos anos que pego a estrada que liga as duas cidades, mas hoje foi especial. Estava sozinha e durante as duas horas e alguns minutos meus pensamentos fizeram uma viagem paralela pelas lembranças. Curiosamente, percebi que a estrada pode ser vista como um personagem de filme e no decorrer dos anos, várias vezes, funcionou, também, como um ente querido.

A primeira vez que cruzei a BR 060 de Goiânia para Brasília eu era uma adolescente. Fizemos uma visita a uma prima que morava na capital federal. Seu marido era um carioca, negro, alto, muito alto, chamado Agenor. Cheguei à cidade com meu irmão, minha cunhada e minha prima Ruth. Lembro-me de algumas coisas desse dia: a cidade me pareceu um deserto com prédios distribuídos no meio do cerrado. Minha prima – que viria a morar na cidade antes de mim – disse que jamais moraria aqui. Lembro que almoçamos muito tarde, por volta de duas da tarde, o que para os hábitos metódicos de meu irmão, era uma aberração. Nesse dia, pela primeira vez, vi alguém servir maionese com beterraba. Isso sim, achei aberração maior ainda.

A segunda vez, eu vim com a Mazzarelo, minha meio irmã e seu namorado Tobias. Ele veio resolver questões burocráticas e eles me convidaram. Dessa viagem lembro-me de uma coisa estupenda para a época. Pela primeira vez, subi numa escada rolante. Foi uma experiência e tanto. Comemos pastel na Rodoviária e eu achei o máximo “andar” naquela máquina que fazia a gente se deslocar de um andar para outro sem esforço.

Eu não me lembro da terceira vez. Minha memória só alcança a viagem que fiz quando a prima Ruth já morava aqui. Lembro-me, particularmente, da volta. O então namorado dela, Carlos, decidiu nos levar de volta a Goiânia. "Nós", nesse caso, era minha amiga Dudu e eu. Na época, a estrada não era duplicada e ele fez o percurso em uma hora e quarenta e cinco minutos. Foi inesquecível, pois Dudu e eu mal respiramos de tanto medo.

Depois, a estrada se tornou uma constante para mim. Foram mais de quatro anos indo e vindo com muita freqüência. A razão? Aquele amor que já mencionei. Fazíamos revezamento e desse tempo eu me lembro como eram tristes os retornos. Era dolorido ir embora. Fiz dúzias de viagens de carona Goiânia/Brasília com dona Elodia. Uma senhorinha de pouco mais de um metro e meio, se muito. Na época, ela era responsável pelo malote de uma loja de fotografia de um amigo meu. Saia pontualmente às 18h00 de Goiânia e passei a acompanhá-la. Nos tornamos amigas e confidentes. Ela foi uma fonte de aprendizado para mim e as viagens passavam como um raio, pois nossas histórias faziam o relógio andar rápido.

Dessa época, lembro-me de uma viagem que fiz com meu irmão Roberval. Ele veio trazer os móveis que adornariam a casa que seria minha e do amor daquele tempo. Foi uma oportunidade rara que desfrutamos, falando de coisas que poucas vezes tínhamos privacidade para tratar.

No percurso de hoje, tantos anos depois, as lembranças foram evidenciadas pela trilha sonora. A música de Ivan Lins que há muito eu não ouvia foi responsável por trazer de volta um turbilhão de recordações. Estavam lá a viagem de moto e a parada nas mangueiras para descansar. A tentativa de achar o fio da meada daquele amor que se perdeu para sempre. A música “Começar de Novo”, entregue como um troféu para ilustrar a minha capacidade de ter superado uma separação, que naquele tempo parecia uma tragédia, mas que provou ser brincadeira de criança frente à separação que viria depois.

A estrada foi testemunha de muitas lágrimas. Chorei um milhão de vezes achando que não haveria mais razão para viver. Cheguei mesmo a tentar um atalho passando dessa para outra, mas me esquecendo que quem morre de véspera é peru. Dessa trágica viagem lembro-me do Lizandro indo me buscar na Rodoviária e determinando: “chega”! Mas, novos episódios pouco memoráveis ocorreram ainda.

Pouco tempo depois, o destino cuidou de dar seu basta às minhas ilusões, colocando no meu caminho um amor que foi crescendo e se tornou uma história de verdade. Nos primeiros tempos, cruzamos a estrada com parte do mobiliário, dessa vez, para uma casa que seria efetivamente nossa, para a família que estávamos começando a construir. Essa família foi responsável por outros momentos memoráveis nesse percurso. Nossos filhos crescendo, e mudando o roteiro dessas viagens. As paradas inevitáveis para dar comida aos meninos, fazer xixi, ver de perto o passarinho, pisar no chão de terra e responder as perguntas sem respostas óbvias que eles faziam sem parar. “Mamãe essa estrada vai até o infinito”? “Papai, posso dirigir seu carro”? “Mamãe, porque a gente não pode ir no banco da frente”. “Pai, porque há tantos verdes diferentes?’ “Mamãe, aquelas árvores estão encostando no céu?”.

Assim que eles foram crescendo, as viagens foram ganhando outros enredos. Novos personagens e a estrada também sofreu suas mutações. Mudou para melhor. As pistas aumentaram, o trajeto ficou mais rápido, mais seguro.

Vezes e vezes cruzei essa rodovia sozinha. Dúzias de vezes achando que não tomaria o caminho de volta, que seria a última vez. Certa ocasião peguei os meninos e cheguei a Goiânia pronta para tomar um porre. Logo eu, que nunca gostei muito de beber. Era uma forma de delimitar território, de realçar a capacidade de ser dona de mim. Nessa aventura, me acompanhou a Vânia, na noite em que tomamos um balde de margaritas e fizemos charme para o garçom. Final de linha.

A Vânia também estava presente numa das viagens em que afundei o pé para chegar a tempo de pegar um show do João Bosco que, aliás, foi trilha sonora de muitas viagens.
Viviane também foi minha companheira em várias ocasiões. Íamos juntas cantando juntas todos os hits do Drexler, trilha sonora para nossas conversas tristes e alegres. E tivemos a inesquecível freada ao chegar a Samambaia quando uma moto saiu do nada e pensamos que não haveria como não arremessar seus passageiros e respectivas sacolas.

Houve um tempo em que senti uma enorme vontade de não precisar mais cruzar esse trecho. Muitas vezes, fazer esse percurso foi uma busca inevitável do colo de minha mãe. Outras, eu deixei Goiânia sentindo hostilidade por ela. Família é assim. A gente ama e odeia em frações de segundo. Hoje, sai de lá chorando, pois foram ótimos os dias que estivemos juntas. Cada vez mais, também, sofro por me separar de meu irmão. Ele e suas piadas, seu jeito peculiar de expressar amor. Enfim, a vida é assim.

A viagem de hoje foi marcante, pois os procedimentos cirúrgicos que me aguardam e a proximidade cada vez mais determinante do começo da diálise criam insegurança, lançam-me num processo de medo e ansiedade permanentes.

Espero, entretanto, que ainda haja muitas viagens e que elas sejam sempre momentos de alegria pelo reencontro e de esperança de que a vida possa ser verdejante como a paisagem dessa estrada e que representem um "começar de novo". Estou lendo “O tempo entre costuras” e uma frase foi muito significativa: “Deus aperta, mas não sufoca”. É com isso que estou contando.






segunda-feira, 25 de outubro de 2010

"PEQUENA ABELHA"


Terminei de ler um livro chamado “Pequena Abelha”, relato ficcional da vida de uma refugiada nigeriana, em Londres. De maneira suave o autor fala de um tema que parece distante. É uma história cativante, e em alguns momentos, até divertida. Terminei a leitura num sábado, dia em que fui ao Park Shopping. Guardadas as devidas proporções, tive a mesma sensação de “não pertencimento” relatada pela personagem.

Ao chegar àquele centro de compras me senti um pouco como uma refugiada. Explico. A personagem narra sua perplexidade diante de uma cidade com jeitos e costumes completamente diferentes dos seus. Foi assim comigo. Depois que parei de trabalhar, sinto-me apartada. As pessoas bem vestidas, descontraídas, cheias de sacolas, embevecidas com as vitrines, entram em rota de colisão com a nova vida que me coube viver. E não é raro me sentir estrangeira nesse novo modelo. Todo aquele ritual parece diverso do que conheço. Até as palavras, ganham um novo sentido.

Na minha “nova vida” sinto-me quase sempre como uma refugiada. Minha casa se tornou meu abrigo, meu esconderijo. É daqui que olho a vida e ela parece um universo ao qual não pertenço. No livro, a “Pequena Abelha” está sempre buscando no passado conforto para um presente de angústias. É como se aquilo que viveu antes fosse sua referência, até mesmo seu porto seguro. O futuro é um lugar incerto, uma zona cinzenta, um terreno que parece reservar armadilhas. O futuro é um desafio permanente. No passado havia amigos e a presença da família. No presente os amigos são apenas uma lembrança. Aliás, na ausência física das pessoas queridas, a “Pequena Abelha” está sempre dialogando com o passado, buscando o tempo em que era possível compartilhar suas alegrias, medos e inquietações. Mas esse é um exercício de silêncios, pois o passado não é capaz de interagir.

Sempre que se defronta com o novo, a “Pequena Abelha” lança ao passado perguntas que vão ficando sem respostas. É um pouco assim comigo. Nesse momento, há mais perguntas que respostas. Na ausência delas, a personagem, assim como eu, recorre às analogias. Entra no mundo das suposições. Das especulações. Dos, “e se”... E se eu tivesse emagrecido? E se eu não morasse aqui? E se eu não precisasse de diálise? E se tudo isso fosse só um sonho ruim?

“...Às vezes eu penso que gostaria de ser uma moeda de uma libra esterlina em vez de uma menina africana. Todo mundo ficaria satisfeito ao me ver. Talvez eu fosse à sua casa no fim de semana e então, de repente, como sou muito inconstante, eu iria visitar o homem da loja da esquina – mas você não ficaria triste, porque estaria comendo um pãozinho com canela ou tomando uma lata de Coca-Cola gelada, e nunca mais pensaria em mim. Seriamos felizes, como amantes que se encontram num feriado e depois esquecem os nomes um do outro”...

E se fosse assim?

domingo, 10 de outubro de 2010

"MANUEL, O AUDAZ"....


Não sei o que me levou a essa lembrança. Talvez o por do sol, tão parecido com aquele do dia em que me apaixonei por você. Viajávamos numa magnífica tarde, eu olhava o contorno do seu rosto e só conseguia pensar: “como é possível amar alguém que a gente mal conhece”?. Mas estava escrito. Não era livro. Não era filme. Não era novela. Mas era amor. Um amor que me acompanhou durante anos e anos. Um amor que por vezes me fez duvidar se haveria vida, felicidade, sem que você fosse o centro de tudo. Um amor tão avassalador, que não acabou quando terminou, que ficou me assombrando, até se transformar numa história que ao ser contada, parece de livro. Parece de filme. Parece de novela. Mas foi real.

Levei muito tempo para esquecer seu cheiro de manteiga, seus pés, sua risada e sua fala compassada e professoral. Você fala com pausas, como quem dá tempo a quem ouve para processar e compreender. Sim, porque seu discurso nem sempre alcança os simples mortais.

Você não deve se lembrar, mas eu sim. De todas as coisas que me disse. E mesmo aquelas que talvez fossem um artifício de sedução, até elas soavam como promessa. Aliás, dias desses achei num caderno um termo de compromisso no qual você jurava amor eterno, mas na época eu não levava a sério o fato de que amores só são eternos, enquanto duram.

Eu me lembro do primeiro beijo, do primeiro toque, das aventuras e desventuras. Do garotinho de cabelo anelado que você disse: “seu filho vai ter essa cara” e tirou uma foto. Mas nenhum dos meus filhos reais têm aquela estampa.

Eu me lembro do caminho de hortênsias e da sensação de que vivia dentro de um sonho e da trilha sonora... “eu não sei se vem de Deus, do céu ficar azul, ou virar dos olhos seus, essa cor que azuleja o dia”...E foram tantas, as trilhas sonoras de nossa história.

Lembro de você medindo meu dedo no casamento de minha prima e depois, me surpreendendo com um anel que veio dentro de um porta jóias na forma de um chapéu. Eu não posso esquecer o piquenique no rio sujo, os obstáculos para chegar, os mosquitos e a escapada furtiva para experimentar o amor na natureza.

Eu me recordo de você me recolhendo na janela e de travessamente violarmos a cama de sua mãe. Eu não me esqueço dos discos de Nara Leão e Elis Regina e dos filmes de arte na “Cultura”.

Eu me lembro até do Mário (que nunca conheci), aquele que ganhava “pudins” como gratidão pelo amor que oferecia. Eu nunca vou me esquecer do beijo trocado no chão do quarto de hóspedes, naquela noite em que eu tive muita, muita raiva de você.

Como esquecer os arroubos, os rompantes, e até mesmo as "previsões improváveis" sobre o nosso futuro. Lembra? A ideia era que nos encontraríamos furtivamente, que nos embrenharíamos nas lembranças, que esgotaríamos o desejo e que depois, seguiríamos para a vida que nos caberia viver. De alguma forma, foi assim.

Você não sabe, mas o abraço que trocamos no saguão daquele hotel fez o tempo parar, mas o abraço que trocamos, agora a pouco, já não descompassou meu coração...

Nossas vidas seguiram rumos diferentes, mas a despeito de tudo que nos juntou, e, sobretudo, do que nos separou, as boas lembranças conseguiram se firmar. E é por isso que hoje, eu rompo a prudência e os pudores para te dizer essas palavras. Nesse momento, em que minha vida parece um labirinto, em que o futuro parece incerto, o passado cumpre o papel de nos mostrar quem de fato somos, ou fomos.

Essa não é uma declaração de amor tardia, pois penso que usei todas as oportunidades para falar do meu sentimento quando ele pulsava, pulsava...Mas aquele por de sol foi uma bela moldura para dar às lembranças, o status que lhes cabem: o de boas lembranças. Nada mais. E porque não abusar dos clichês: "tudo vale a pena, se a alma não é pequena". Valeu!


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

"Tudo bem, se vai mal"...


Hoje fui ao médico pela manhã para levar o resultado de meus exames. Uma mamografia indicou a presença de um nódulo na “mama” esquerda. Fiquei mal! Mas tudo bem! Os demais exames indicaram que a função renal piorou. Isso, depois de passar dois meses cumprindo com bastante disciplina a dieta. Tudo bem! E por falar em dieta eu não consigo perder peso. É frustrante, mas, tudo bem! A anemia está em níveis abissais. Tudo bem!
O resto do dia eu usei para fazer faxina, minha empregada está de licença médica e desde então, minha rotina implica limpar, lavar roupa, passar, lavar louça, cozinhar, mas tudo bem! Quando eu limpava o quarto do Guilherme a porta do armário caiu em cima da minha perna e fez um baita hematoma. Ah! Tudo bem! Eu derramei todo o liquido do limpa vidros e depois, escorreguei e cai. Advinha? Tudo bem! Sabe o que me ajudou a passar o dia com essa, digamos, visão profunda de otimismo? Ed Motta. “Tudo bem, se vai mal...Tudo bom, vendaval”!


EU VOTEI!




Minha mãe está sempre lembrando o quanto pareço com meu pai. Ela faz questão de ressaltar que temos muitas coisas em comum e o gosto pela política é uma delas. Hoje pude confirmar isso. Foi dia de eleição e desde sempre eu adoro votar. Quando fiz meu título, aos 18 anos, passei o dia na fila e hoje, logo cedo estava lá, depositando na urna eletrônica minhas preciosas escolhas. Acho importante eleger os representantes políticos, mesmo que não tenhamos muito do que nos orgulhar nesse terreno. Tento fazer com que meus filhos pensem da mesma forma, mas não tenho sido bem sucedida. Enfim, penso que a maturidade se ocupará de mudar isso. Estou feliz, pois acredito ter feito boas escolhas e muito contente porque teremos um segundo turno para as eleições presidenciais. Acho que o principio da alternância deve ser respeitado. E fiz minha parte.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"Tudo que vai"....


O final de semana foi de tédio. Fez um calor insuportável na cidade, que, aliás, está coberta por uma névoa em razão da seca. Não chove e mesmo os Ipês, que transbordavam flores amarelas enfeitando a aridez do Planalto não suportaram o calor e foram perdendo seus cachos de flores fazendo um imenso tapete dourado.

Dediquei esses dias a organizar uma gaveta repleta de fotos. A ideia era colocá-las em álbuns. São fotos que representam muitos anos da minha vida, mas essa se revelou uma tarefa difícil. Não é usual tirar fotos de coisas ruins, mas é complicado olhar para momentos alegres registrados e perceber que eles pertencem a outra dimensão. É curioso olhar as pessoas que te abraçam carinhosamente numa foto e constatar que agora, não sabe onde estão.

As fotos revelam coisas curiosas. Você percebe que seu cabelo ficou melhor, mas que seu corpo era mais bonito. Aquele vestido inigualável, agora é bizarro. Os lugares que emolduravam a mais perfeita felicidade parecem apenas um cartão postal que alguém te enviou. Os filhos cresceram. Antes eles te beijavam e te olhavam como se você fosse uma divindade, agora, você tem dificuldades de achar uma foto recente na qual eles abracem você. O amor da juventude é um desconhecido. O vizinho prestativo virou o amor da sua vida.

Vê que suas sobrinhas estiveram sempre nos melhores e piores momentos de sua vida. Fica embevecida com as fotos da sua amiga e tem certeza que há entre vocês uma semelhança de irmãs. Olha seu irmão que foi embora tão cedo e chora de alegria, pois conseguiu registrar um abraço sem saber que era um adeus. Percebe que azul é uma cor que realça seus olhos, mas que foi aquele terninho vermelho que te abriu as portas do céu. Recorda aqueles aniversários em que meia dúzia de amigas fazia o papel de uma multidão. Constata que as praias de Natal foram as mais bonitas que você já pisou. Recorda os óculos de lente amarela e repudia não entrar naquele biquíni verde. Lembra da blusa rosa do último aniversário que você curtiu fotografar.

Lamenta que o amigo querido não esteja mais na mesma cidade e que seu sorriso largo só possa ser alcançado numa foto. Recorda as alunas que fizeram você se sentir tão querida. Revê as férias quando você era jovem e linda e não sabia disso. Ri da bolsa de retalhos que você mesma fez. Revisita o trabalho no qual passou a maior parte da sua vida. Encontra a amiga que apareceu numa matéria de revista e se pergunta: o que terá sido feito dela? Casou? Mudou de país?

Lembra da sobrinha vestida de Papai Noel, naquele tempo em que seus filhos acreditavam na magia do Natal. Dá risada da viagem de férias que foi uma cilada. Lembra de perder a linha quando viu o Mickey Mouse. Abraça seu ídolo e descobre que não foi um sonho. Reencontra sua infância e chora quando lembra que depois daquela foto, seu pai viveu três dias e se foi. Imagina se vai rever aquele por do sol, se um dia vai nadar naquele mar, se vai mergulhar naquela lagoa, se vai sentir o sabor daquele sorvete.

Sente saudades do tempo em que buscava seus filhos na escola, tem vontade de dirigir aquele carro e de calçar aquele sapato com flores. Lembra do passeio àquele rio de águas escuras e do beijo na janela e da bermuda rosa e do cabelo encaracolado. Tem vontade de abraçar a amiga que você só descobriu que amava depois que ela se mudou. É capaz de reter a imagem da viagem que ela fez à Grécia apenas pelo relato de suas cartas.

Recorda a gravata borboleta, a calça xadrez, o sapato vermelho de cadarços, a blusa rosa que tinha o desenho de um tênis. O vestido longo, a sandália apertada, a tiara e o conjunto verde e a echarpe. Sonha tirar uma foto com aquele vestido de bolinhas que você nunca pode usar. Se enternece com o beijo, ouve a canção que embalou seu primeiro amor. Sente o gosto das medias lunas e do sorvete de frutas do bosque.

Caminha pelas ruas da capital uruguaia, e retorna aos dias de São Paulo carregando uma enorme pipa colorida. Lembra da roupa azul e de ter sido confundida com uma editora de moda e das madrugadas loucas e do samba cantado por Chico Buarque.Visita as esculturas de Rodin, lembra vagamente das pinturas de Monet e sabe exatamente a cor do céu de Manhattan. Vê os cabelos arrepiados do primeiro filho e os cachinhos do outro. Lembra do dia que pensou que ia morrer. Chora pela vida que podia ter sido e não foi. Chora, pois a vida vale, seja lá como for.

"Tudo que vai, deixa o gosto, deixa as fotos, quanto tempo faz"....


terça-feira, 24 de agosto de 2010

O PRÊMIO







Terminei de ler Jane Austen e me lembrei de um comentário que ouvi tempos atrás: “nos livros de Jane Austen, as pessoas demoram muito para serem felizes”. É verdade. “Orgulho e Preconceito” ilustra a tese. Estava lendo “Emma”, um romance no qual não se pode falar exatamente de tristeza. Entretanto, foram necessárias mais de 400 páginas para que a personagem tivesse o seu final feliz.

Durante a leitura não pude deixar de fazer uma analogia. Assim como nos romances de Austen, a felicidade parece demorar muito para me alcançar. Quando cheguei a Brasília para salvar um grande amor - tarefa que não consegui realizar – em um dos períodos de maior tristeza recebi a visita de minha mãe e de minha tia Deolvira. Elas vieram me dar apoio e cuidar um pouco de mim. Naquela ocasião, minha tia disse: “Ana, você está sofrendo agora, mas tenho certeza de que a vida há de te trazer muitas recompensas. Você sofre agora, para ser feliz depois”.

É claro que tive uma coleção de momentos felizes. Mas de um modo geral, a vida andou me pregando peças e não foram poucas vezes em que, recordando as palavras da minha tia, me perguntei: “quando é que o tempo de felicidade vai chegar”?

Imaginava que as turbulências viriam, mas que como nos filmes e nos livros, haveria, ao final, o ponto de equilíbrio. O momento em que as agonias cessam e uma onda de boas novas não para de chegar.

No primeiro dia de agosto fiz cinqüenta anos. É emblemático completar meio século, mas fiquei assustada. Poucos dias antes recebi um prognóstico sobre a minha saúde que não foi exatamente animador. Tenho uma doença renal crônica e durante alguns anos fiz cara de paisagem para a gravidade desse problema. Agora, cheguei numa situação limite. Função renal de 13% e algumas taxas que representam uma preocupação efetiva. A médica que consultei foi muito taxativa, afirmando que a solução para o meu caso seria um transplante. E mais. Esse procedimento não deveria tardar.

Recebi a notícia como quem leva uma porrada e fica um tempo procurando o chão para cair. Apesar do avanço da medicina me perguntava todo tempo: “como é que vou conseguir um doador? Quem seria capaz de um gesto desses, de renúncia, de coragem e, sobretudo, de generosidade?” Os doadores potenciais, que seriam meus familiares, não estavam em condições de ajudar. E convenhamos, essa é uma decisão difícil. Não é questão de pedir emprestado um objeto, significa que a pessoa precisa abrir mão de um órgão, e de um órgão vital. É uma decisão de risco.

Quando estava me resignando que a única saída que me caberia seria enfrentar a diálise fui surpreendida por um telefonema. Era minha amiga Heloisa. Escrevi sobre ela aqui no Blog falando do nosso reencontro e relatando uma amizade que começou assim que cheguei a Brasília. Numa conversa normal de amigas, me contou os últimos acontecimentos de sua vida, em especial, sobre uma decepção que sofrera recentemente. Quando perguntou de mim contei sobre a minha saúde e como essa situação havia me deixado angustiada.

Não poderia ter ficado mais surpresa com o que ouvi. Ela perguntou o que era necessário para o transplante e respondi que a primeira coisa era encontrar uma pessoa com sangue o+, disposta a doar um rim. Da forma mais singela possível e com o maior desprendimento ela disse: “se o problema é esse, não existe mais. Tenho sangue o+, boa saúde, dois rins e um será seu.” Diante da minha perplexidade ela reforçou: “Ana, a gente não se conheceu por acaso, nossa amizade não durou todo esse tempo sem uma razão. Se eu posso te ajudar, é isso que farei. Diga o que tenho que fazer, mas minha decisão de te doar um rim está tomada. Estou pronta para te ajudar”.

Claro que depois dessas palavras tudo que consegui fazer foi chorar. Chorei muito. Eu não contava com isso. Eu não esperava por isso. Eu não imaginava que seria beneficiada por um gesto de tamanha grandeza. Mesmo que a Heloisa não possa me doar um rim, mesmo que ela mude de idéia, a despeito de qualquer coisa que aconteça ela resgatou um sentimento de enorme gratidão. Ela contaminou as pessoas que estão próximas, torcendo pela minha saúde, desencadeou uma onda de felicidade pelo gesto. A atitude de doar, a bondade, a generosidade, a capacidade inacreditável de servir e de fazer isso sem receber um pedido expresso é muito especial.

O que a Heloisa se propôs a fazer é muito grande. É uma atitude para a qual não há adjetivos. E de que maneira é possível agradecer algo assim? Que palavras têm a mesma dimensão do gesto? Não sei. Desde então, choro de alegria, pois quando penso nas palavras dela, sinto como se tivesse recebido um prêmio. Uma chance de poder recomeçar minha vida, de recuperar a esperança, de viver, acreditar nas pessoas e agradecer da forma mais sincera possível essa oportunidade.

Helô, seguro que esse foi o gesto de maior generosidade que já recebi e a demonstração mais absoluta de carinho, amizade e consideração. Posso te garantir que há uma corrente do bem, de pessoas rezando e dando graças pela sua vida e vibrando com sua bondade. Mesmo que o destino não queira que eu receba o seu rim – é claro que torço loucamente pelo contrário – eu já me sinto premiada e nunca, em tempo algum, serei capaz de esquecer sua coragem e abnegação.

Com essa ação a vida nos transfere da condição de amigas, para irmãs. Uma irmandade que se estabelece pelo amor. Por enquanto, a única coisa que posso fazer é dizer um zilhão de vezes: “obrigada”!! Obrigada por se dispor a doar uma parte da sua vida, para que a minha seja possível. Com esse gesto, mais que um final feliz, terei a possibilidade de recomeçar. É como se a vida me permitisse escrever outra história e estabelecer uma nova trajetória. O que mais uma pessoa poderia desejar?


quinta-feira, 22 de julho de 2010

“Filhos...Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo”


Quem não sente compaixão ao ver uma mãe perder um filho? Que perda pode ser pior que essa? Que mãe nunca passou uma noite em claro, pensando que algum mal possa alcançar um filho seu?

Estou aqui, vendo o dia amanhecer pensando na dor de uma mãe que perdeu um filho lindo, talentoso e jovem. Estupidamente levado por um acidente. Eu não a conheço pessoalmente, nem conheci seu filho. Mas me sinto afetada, porque olho meus filhos dormirem e penso: “e se fosse um deles”?

Quantas noites já acordei sobressaltada, quantos sonhos ruins já tive. A maternidade traz implícito um sentimento de perda. É como se a qualquer momento viessem te levar algo que não é seu. E de fato, os filhos são apenas pretensamente nossos. Mas nós os queremos perto. É como se a todo instante nosso útero os quisesse recolher de volta.

Meu filho Rodrigo e seu pragmatismo de jovem, costuma dizer que as pessoas têm dia e hora para chegar e ir. Quando eu imploro que ele não se exponha, quando suplico para que ele se proteja e fique distante do perigo, ele se limita a dizer: “quando minha hora chegar, eu vou”. Invariavelmente choro, mas sei que essa é a lógica. As pessoas vêm e vão. Mas não é justo que um filho parta antes de seus pais. É doloroso demais.

Muitas vezes penso, diante dos sofrimentos reais e imaginários, que a melhor forma de ter boas noites de sono e o coração tranqüilo passe pela opção de não ter filhos, mas ai, sempre me ocorre esse poema de Vinicius de Moraes: “mas se não os temos, como sabê-lo”? Não sei. Só sei que dói.

“Poema Enjoadinho”

Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

"O que você quer ser quando crescer"?


Ontem à noite, Helvécio, preocupado em oferecer um bom filme, me presenteou com uma das histórias mais adoráveis que já tive a oportunidade de assistir: “Le Petit Nicolas”, por aqui, simplesmente “Nicolau”.

Na primeira cena, somos apresentados à personagem central que, numa sala de aula da década de sessenta, se vê diante do dilema de escrever uma redação cujo título é: “o que você quer ser quando crescer”? Para ele, uma criança, provavelmente entre seis e oito anos, essa é uma questão complexa. De acordo com sua avaliação, ele não quer ser nada além daquilo que efetivamente é: uma criança feliz, que recebe atenção dos pais, sobretudo da mãe, tem ótimos amigos e não almeja muito mais que isso.

O filme não poderia ter acontecido num momento mais emblemático. Ontem, eu decidi sair um pouco de casa – usando uma licença poética – para ser feliz. Como tenho estado muito reclusa, decidi que queria ir ao shopping passear um pouco.

Antes, tomei café com minha amiga Solange, comemos torta e falamos rapidamente da vida. Depois, me perdi pelas vitrines do Brasília, comprei DVDs promocionais nas Lojas Americanas (evidente, títulos de ótimos filmes que já assisti), um novo livro para as férias, um presente de aniversário para Helvécio e algumas besteiras para mim. Tomei sorvete de menta com chocolate, sentada calmamente numa poltrona, me sentindo no Freddo, de Buenos Aires, aonde aprendi a amar esse sabor.

Quando estava muito confortável no meu reino de felicidade, fui convocada a voltar para o planeta realidade. Num telefonema, minha coordenadora informava que meu desligamento do IESB havia sido confirmado e que deveria ir até lá para assinar os documentos. Embora essa não tenha sido uma surpresa – como a que surpreendeu a vida de Nicolau – de alguma forma fui intimada a também pensar: “o que quero ser quando crescer”?

Em 2004, eu me encontrei com a docência. Foi como, se súbito, com mais de quarenta anos, tivesse achado, finalmente, meu lugar no mundo. Não tive dúvidas de que era aquilo que sempre quisera fazer. Não houve sofrimento: abri mão de um trabalho seguro, de uma boa remuneração, de um nome relativamente estabelecido no mercado, para me aventurar em algo completamente novo. Com baixa remuneração, mas com a possibilidade de aprender muito, de conhecer novas pessoas, de começar a escrever uma nova página.

Nesses últimos anos, passaram por mim pessoas muito queridas. Penso ter feito diferença na vida de algumas. Recebi homenagens, me diverti, fiz novos “amigos para sempre” e enfrentei o desafio de me reinventar. Quando você ensina, a primeira coisa que faz é se expor loucamente. No modelo de ensino que temos, cabe ao professor a posição de comando. Você precisa estar à frente de um grupo de pessoas, demonstrar conhecimento, estudar e procurar não ser surpreendida por uma pergunta que não seja capaz de responder. Isso te faz vigilante. É uma obrigação estar sempre um passo à frente e nunca perder o rebolado quando alguém apresenta um assunto, sobre o qual nunca havia parado prá pensar.

De uns tempos prá cá, fazer isso, deixou de ter o encanto dos primeiros momentos. A instituição mudou, os melhores amigos se foram, mas a convicção de que ensinar era o meu grande barato permaneceu. Ocorre que a paisagem foi ficando um tanto "cinza para o meu rosa choque" (recorrendo a uma cena do passado). Sofri com crises pontuais, depois fui derrubada por outra, muito maior e agora me dei conta de que é chegado o momento de me reinventar novamente. De parar um pouco para avaliar, mais uma vez, “o que quero ser quando crescer”?

A primeira coisa que sei é que preciso ter saúde. Ela foi negligenciada pela prática comum que tenho de me boicotar. Ah! Não me pergunte os motivos que me levam a fazer isso, pois estou, de fato, tentando encontrar algumas respostas. A verdade, é que dessa vez, entendi que preciso recolocar minha vida em perspectiva. Reconduzir-me para o terreno da precedência e isso implica "me" estabelecer como prioridade.

É claro que sai do IESB coberta de lágrimas, mas a exemplo de Nicolau, foram os amigos que me acolheram e me ampararam com palavras de apoio e de crédito nas promessas de futuro. Pela primeira vez, profissionalmente falando, não tenho um plano “B”. Ao final do filme, “o pequeno Nicolau” descobre sua vocação: “fazer as pessoas rirem”. No meu caso, tenho ainda o desafio de descobrir, mas como diz o velho ditado: “nenhum caminho começa antes que se dê o primeiro passo”. Já estou com o pé na estrada. E acredito que será rumo a uma nova e promissora jornada.

Oxalá! Todos os anjos digam: "amém"!

quarta-feira, 7 de julho de 2010

"...Um Equilibrio sobre a loucura"...


Estou em contagem regressiva para os cinqüenta anos. Não sei se é isso que me tira o sono, afinal de contas, não é fácil para uma mulher olhar o tempo que avança. Não fiz planos para a minha vida aos 50. Fiz isso aos vinte, trinta e mesmo aos quarenta, mas não me ocorre nada quando chego agora ao limiar dos cinqüenta.

Minha mãe ficou viúva antes de completar 43 anos. Algumas mulheres estão experimentando a maternidade pela primeira vez nessa idade. Outras, já são avós, algumas são gordinhas, outras são saradas, umas são peruas, outras executivas, outras parecem não querer aceitar que o tempo de mocinha, passou. Outras tantas se comportam como se tivessem muito mais e se curvam ao peso de uma idade que ainda nem chegou.

Quando tinha 15 anos me lembro de uma amiga chamada Carla Soraya, que fazia conjecturas de como seria quando chegássemos aos vinte. Ela entendia que isso seria cruzar uma linha perigosa rumo à velhice. Na época, para nós, o máximo de expectativa limitava-se a ter 18 anos e chegar a Universidade.

Eu não faço ideia do que fazer aos cinqüenta. Não consigo imaginar que tipo de protocolo seguir, qual o manual dessa idade? Penso que, como diz o ditado, a vida esteja começando, pode ser que ela esteja em compasso de espera. Pode ser que a falta de planos seja, na verdade, o grande projeto para quem chega a esse patamar. Talvez não seja mesmo tempo de se perder em projeções. Talvez, a melhor alternativa para quem chegue aqui, seja apenas viver. Um dia, depois outro, depois outro.

Ou como lembrou a sábia amiga Luiza, que sempre encontra uma música que representa minhas inseguranças, nesse estágio, talvez a melhor alternativa seja “manter o equilíbrio sobre a loucura”, deixar a vida fluir, recolher as armas e encerrar a guerra.

SALLY

“Sally é uma mulher que não tem mais vontade de fazer a guerra.
Sally já sofreu muito
Sally já foi punida por cada distração ou fraqueza, por cada cândida caricia, dada para não sentir a amargura ...
Ouve que lá fora chove, ouve um belo rumor ...
Sally caminha pela estrada, com segurança
Sem pensar em nada
Agora olha para as pessoas de maneira casual
Esses momentos já não causam pertubação...
A vida é como um arrepio rápido. É todo um equilibrio sobre a loucura
Mas talvez, Sally, esse seja exatamente o sentido do seu caminho
Talvez, no fim haja sofrimento
Mas ao final dessa triste história
Alguém tenha coragem
Para lidar com a culpa e excluir dessa jornada, todas as perturbações
Um pensamento lhe passa pela cabeça: Talvez a vida não esteja totalmente perdida
Talvez alguma coisa esteja salva, talvez, talvez não tenha sido tudo um engano,
Talvez, talvez...”


quarta-feira, 30 de junho de 2010

SOBRINHAZINHA...

De vez em quando venho por aqui para falar de alguém especial em minha vida. Hoje, chegou a sua vez. Não que eu não tenha tido, antes, razões para mencionar o enorme amor que sinto por ti. Acho que no quesito declaração de amor, estou em dia, pois não são raras às vezes que te escrevo apenas para dizer “te amo”. E também não posso me queixar de não ter esse amor retribuído. Na sua vida que mais parece um tsunami, sempre houve espaço para que pudéssemos celebrar a amizade que há entre nós.

Eu diria que mais que amigas, somos como irmãs. E não é a irmandade que se impõe pelo sangue, mas que se estabelece pela escolha do amor, pela afinidade e até porque não, pelas diferenças.

A primeira lembrança que tenho de ti é vermelha. Você tinha pernas e bochechas gordas e estava coberta de brotoejas. Era seu primeiro aniversário e lembro que ficamos horas enrolando pirulitos com cara de menina de “maria-chiquinha” e doces em formato de cenouras e maçãs.

Minha segunda lembrança é de uma menina que parecia tímida e que seria muito aplicada nos estudos. Depois, como minha memória não é das melhores, eu lembro de você emburrada e da famosa crise dos sapatos que você teimava em não guardar. E apesar de todas as promessas de castigo, não arredou pé.

Depois me recordo de um cabelo meio “Farrah Fawcett”, uma coisa em camadas e da sua boca que estava sempre ensaiando um bico. As outras lembranças são de histórias contadas pelas suas irmãs. Coisas de almas penadas na fazenda do “tio Zé” e outras presepadas de meninos, que eu sei, vocês aprontaram em profusão.

Lembro de levá-las ao cinema, lembro de um show do Lulu Santos em Brasília, quando vocês chegaram à adolescência, mas esse tempo, minhas lembranças alcançam vagamente. Eu também cuidava de inventar uma vida nova em uma nova cidade, e essa era uma fase em que sobrinhas não estavam muito interessadas em fazer confidências às tias.

No nascimento do Guilherme, lembro das três: Eliane, Cristina e Viviane. Vieram a Brasília com minha mãe e era uma alegria ver meu filho se tornar um pouco o brinquedo favorito de vocês. Depois, bem depois, fizemos uma viagem a Maceió e esse foi um momento de confidências mútuas. Você nunca foi dada a falar de sua vida pessoal, mas diria que chegou a esboçar dúvidas e elas me fizeram ter algumas certezas sobre seu futuro, que infelizmente vieram a se confirmar.

À minha maneira tentei um atalho, porque achava que podia fazer seu caminho seguir outra direção. Você veio a Brasília e eu apostei todas as fichas que poderia te ajudar a escrever outra história, mas houve um telefonema e você, como é seu costume, saiu de mansinho e nunca mais voltou. E nunca falou sobre isso. Demorei para entender, mas descobri que esse era seu jeito de dizer “não”.

Há muito para dizer sobre o tempo que separa essa época da que vivemos hoje. A mais importante delas, é que a despeito de todo sofrimento, de todas as mágoas, de todas as lágrimas e dúvidas e idas e voltas e medos você foi capaz de se reinventar. Quando achamos que só haveria cinza, você veio completamente rosa choque. E verdejou e floresceu. Tomou para si as rédeas da sua vida. E isso encheu a nossa vida de cores também.

Agora você tem muitos motivos para celebrar a vida. E é isso que tento fazer. Celebrar. Mesmo que não possa estar fisicamente presente, mesmo que não possa te abraçar bem forte, quero que essas palavras te façam saber que hoje, as minhas melhores vibrações são para você. Todas as orações te pertencem e ordeno que todos os anjos digam “amém” para a sua alegria, saúde, amor, harmonia e prosperidade.

Por fim, quero te dizer que tenho quatro sobrinhas, mas “sobrinhazinha”, só tenho uma. Assim como tenho certeza de que só há uma “tiazinha” na sua vida.

Feliz Aniversário! Feliz Dia! Feliz Noite! Felizes os beijos e abraços e carinhos. Feliz! Hoje, amanhã e sempre.

Com o amor da sua única e verdadeira.

Tiazinha.


PS. Eu queria como trilha sonora desse post uma música que representasse a nossa amizade, mas eu fiquei confusa. Então, escolhi Julieta Venegas.

domingo, 27 de junho de 2010

"...De enxergar um novo dia"...


Nessa semana dediquei algumas horas do meu dia para uma atividade que andava esquecida. Andei juntando uma peça aqui e outra ali, fazendo colares. Nunca tive habilidades manuais e certamente morreria de fome, se precisasse ganhar a vida com esse recurso. Mas houve um tempo em que consegui fazer peças bonitas e em alguns casos, até criativas. Depois, guardei meu arsenal de contas e linhas numa caixa e agora, achei que estava com vontade de voltar a me experimentar nessa arte.

Comecei a fazer os colares de forma intuitiva. Nunca fiz um curso. Um dia decidi que queria tentar e vi que era possível, com alguma concentração e um pouco de criatividade, fazer com que contas coloridas, grandes ou pequenas, se harmonizassem. É uma atividade prazerosa, que faz o tempo andar rápido e no final, o resultado pode surpreender. Ou não.

Enquanto procurava, primeiro organizar a profusão de peças, que estavam literalmente entocadas no armário, e depois arquitetar o desenho que queria dar aos colares, comecei a refletir que essa atividade talvez fosse uma forma de tentar dar forma a minha própria vida.

Assim como as peças, minha vida está desorganizada. Apesar de obedecer a uma rotina relativamente simples, meus dias esbarram na complexidade que é tentar encontrar uma saída, uma alternativa para o futuro. Não é fácil chegar perto dos cinqüenta anos e descobrir que é preciso fazer uma mudança de trajetória. Normalmente, esse é um momento em que as pessoas alcançaram um patamar de segurança, emocional e material. Mas para mim, esse tempo não chega exatamente nessa ordem.

Eu olho minha vida nesse momento e vejo um conjunto de peças que não conseguem se alinhar. Eu experimento juntar cores, eu tento uma solução monocromática, mas o resultado final é sempre um ponto de interrogação. Como diria um velho conhecido, não consigo encontrar a peça que falta para finalizar o quebra-cabeça.

Já convoquei ajuda especializada e há quase uma unanimidade de opiniões. Mas é difícil tomar uma decisão desse tamanho. E Nelson Rodrigues não dizia que toda unanimidade é burra? E assim, mais uma madrugada se vai. Talvez eu devesse trocar o nome desse blog para Diário da Madrugada. Não é fácil acordar todas as noites e ficar pensando o que fazer. O que deve prevalecer? Razão ou intuição?

Fico pensando no dia em que decidi vir para Brasília. Eu tinha pouco mais de vinte anos, um grande amor pelo qual achava que valia lutar e uma história profissional para escrever. Foi tão simples. Eu simplesmente juntei “meus livros e discos e nada mais” e fui. E vim. Agora, que considero fazer o caminho inverso, a bagagem é pesada demais. Não se trata apenas de juntar discos e livros. Há filhos, há um companheiro e pior, há dúvida. Esse é o pior dos fardos. E há culpa. E há medo.