quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"DEGO"

A maternidade é um desafio, mas ser mãe de meninos exige uma dose diária de resistência: física e emocional. Nos primeiros anos a gente precisa estar em forma para correr atrás deles e não surtar diante das aventuras diárias. Isso implica aprender a conviver com sujeira, desorganização e brincadeiras bem diferentes daquelas do universo feminino. Uma coisa é certa. A gente sempre está com o coração saindo pela boca. São cortes, tombos, hematomas e essa nem é a pior parte.              

A despeito do desafio, sempre soube que seria mãe de meninos. Quando engravidei – acidentalmente – do Guilherme eu escolhi o nome e tinha uma convicção absurda de que seria um menino. E foi. O Rodrigo foi planejado. Passamos meses esperando que ele decidisse dar o ar da graça. Foi uma gravidez tranqüila e ao contrário do Guilherme que vivia em permanente rebuliço dentro de mim, Rodrigo era tão quieto, que dias antes de seu nascimento eu suspeitei que ele pudesse não chegar bem. Mas era o jeito peculiar do menino que nasceu de parto cesariano e que gostava de mamar e dormir. Era gordo e tinha os cabelos cacheados.

Desde pequeno via nele a projeção do filho intelectualizado, que o Guilherme, com sua travessura incansável, não tinha tempo e vocação para ser. Ele gostava de cinema e literatura. Nossa diversão favorita era pegar um anuário de cinema e marcar os filmes que já havíamos assistido. Ele sabia o nome de diretores, atores, e assistia a filmes complexos para a sua idade. Para compensá-lo eu via as produções “arrrasa quarteirão” e os inomináveis filmes baseados em games, que cá para nós, nem entendia.

Vivemos felizes para sempre até que ele chegou aos treze anos. Lembro-me bem. Foi como se naquele dia uma nave espacial tivesse levado o meu filho substituindo-o por um exemplar que eu não reconhecia. Apesar de já ter passado pelos desatinos da adolescência com o Guilherme, o que sofri com o Rodrigo foi “café pequeno”.

O resultado dessa fase difícil foi sua ida para Goiânia. Solução extrema para livrá-lo de um mal maior. Nos separamos por um ano e meio. Foi o pior período da minha vida, mas foi importante para que ele recolocasse os pés no chão.

Tivemos muitos sobressaltos, muitos embates, mas o que nos uniu, acima de tudo, sempre foi uma enorme cumplicidade. Aprendi muito com ele, embora discorde de suas teorias a respeito de uma dúzia de coisas. Admiro sua capacidade de liderança, sua perspicácia e, acima de tudo, sua capacidade de persistir quando quer alguma coisa. Ele é do tipo que não aceita um não. Detesta que seus defeitos sejam expostos. É vaidoso e como qualquer garoto de sua idade bebe da fonte da contradição. Muitas vezes o vejo repetindo discursos que já fiz no passado. Noutras, fico chocada com as semelhanças de temperamento que ele herdou do pai. Me divirto e me irrito quase na mesma proporção com suas provocações. Se eu tivesse que escolher uma característica que o definisse com precisão seria o de provocador nato.

Ele é do tipo que não pede desculpas. Que vive a ilusão de estar sempre certo, mas é amoroso - na sua forma peculiar de amar. Tenho comigo uma cartinha dobrada em vários pedaços de um dia em que ele me fez uma raiva tamanha que só me restou bater nele. Horas depois ele colocou debaixo da minha porta uma folha de papel na qual estava escrito “eu te amo” da primeira a ultima linha. É claro que nos abraçamos e ficou tudo bem.

Ele já me fez sofrer muito, por ele já derramei rios de lágrimas, mas o que posso dizer? Ele é meu filho e as mães estão sempre prontas a perdoar. É um “não perder a ternura jamais”. Hoje, ele me acompanhou numa consulta e me disse uma coisa que foi muito querida. Eu especulava como seriam meus filhos se tivessem outro pai. Ele falou assim: “mãe, independente de quem tivesse sido meu pai eu sempre seria seu filho. Essa foi uma escolha que fiz. Entre milhões de opções eu escolhi você. Se eu nascesse de novo escolheria outra vez.”

Ele me chama de “Dega”, não me perguntem o motivo. E eu o chamo de Dego. E apesar de todas as adversidades, de todos os dissabores eu sou obrigada a concordar que nosso amor foi uma escolha. E se eu precisasse sofrer tudo outra vez para tê-lo como filho, quer saber? Eu o escolheria. Eu tenho fé que aparadas as arestas ele, assim como o Guilherme serão sempre a minha razão de viver.

Te amo, Dego. Muito!


2 comentários:

zildete melo disse...

Na adolescência dos filhos as mães descobrem que jamais deixaram a sala de parto. É muita contração! Lindo texto, lindas declarações de amor! bjs, zil

Equilibrista disse...

É amiga, dor constante! Amor também!!