terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre a tristeza e os "ouriços"


O dia não podia ser mais apropriado. Chuva. Sem parar. Uma chuva fina, fria, feito finados. Acordei triste. Uma tristeza insuportável. Há 41 anos morreu meu pai. É tempo demais. Uma vida, mas a dor continua. Então, fico pensando nas coisas pequenas que a memória conseguiu capturar. Nossos carinhos. As conversas, sobretudo, o humor inabalável do meu pai. Ele era do tipo que perdia o amigo, mas não perdia a piada.

Há momentos em que a memória me trai e nem sei mais se o que está na minha lembrança diz respeito ao meu pai ou ao meu irmão. Eles têm semelhanças impressionantes. Inclusive físicas. Portanto, há momentos em que não sei se estou recorrendo ao que me restou do meu pai ou se estou tomando emprestadas ações do meu irmão.

Enquanto me escondia no meu refúgio favorito: o quarto, buscava as lembranças do último dia em que estive com meu pai, mas tudo que me ocorre é meu irmão me chamando na madrugada para ir ao hospital. Lá chegando lembro que poucos minutos depois ele se foi. É uma lembrança que não se apaga. Minha cunhada me levando para fora do quarto e minha mãe gritando. Eu tinha nove anos e ele, 46. Duas idades em que nenhum de nós merecia esse sofrimento.

Pai, não queria que a lembrança de ti fosse de tristeza, mas não teve jeito. O dia foi mesmo para chorar. E como na tristeza eu sempre recorro ao “play” fui buscar conforto num filme que a Vivi me presenteou: “A Elegância do Ouriço”. Curiosamente, um filme que usa a morte para falar da beleza da vida. Fiquei tão encantada que se pudesse e não fosse tão tarde sairia agora mesmo para comprar o livro de mesmo título. E olha, hoje, um dos meus desafios foi comprar um livro para preencher o enorme vazio da minha vida nesses dias de espera e expectativa pela cirurgia, pela angústia do que me espera. Ler e ver filmes. Parece a vida que qualquer um pediu a Deus, mas até aquilo que queremos muito pode ser um fardo quando chega até nós.

“A sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes”.


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