sábado, 12 de março de 2011

1984



Reencontrei Chico Buarque. Nas últimas semanas fui adquirindo os discos de uma coleção que reeditou alguns de seus trabalhos que eu só tinha em vinil. O último disco, um lançamento de 1984, além da boa música provocou uma avalanche de lembranças.

Fazia algum tempo que Chico não gravava. O disco traduzia as mudanças políticas que aconteciam no país, assim como minha vida  passava por transformações. Natural, pois, que as músicas se convertessem em uma espécie de trilha sonora desse período.

Em 1984, mais precisamente em maio, comecei a trabalhar na Editora Abril. Fiz minha estréia no mercado pelas portas de uma empresa reconhecida. Não era pouco para uma recém chegada a Brasília. Além de uma nova realidade profissional, precisava aprender, a duras penas, viver numa cidade completamente diferente, sem o amparo da família e juntando os meus cacos depois do fim de um amor.

Depois de alguns meses, parte do meu treinamento incluía passar duas semanas em São Paulo conhecendo as várias unidades e respectivas subdivisões da empresa. Como trabalhava na sucursal - que funcionava como um balcão de serviços para as demandas de todas as operações da editora - era importante conhecê-las.

Naquele tempo não havia Internet e nossas correspondências com a “matriz” eram realizadas por C.Is (comunicações internas), telefone, telex e os famosos “bilhetinhos”. A comunicação na Abril era informal. Havia uma troca constante de “bilhetinhos” e foi por meio deles que me tornei amiga da Inês, uma das jornalistas responsáveis pelo Almanaque Abril. Entre suas atribuições estavam as atualizações do anuário. As freqüentes revisões implicavam na troca de documentos e informações. Isso, tornou nosso contato regular e estabeleceu uma correspondência vigorosa que não tardou a se transformar em camaradagem.

Nos conhecemos em uma de suas vindas à Brasília e era natural que ela me recepcionasse na primeira estadia em São Paulo. Então, o disco de Chico Buarque cruzou nosso caminho. Foi meu presente para Inês – era um LP – que ela rapidamente gravou numa fita cassete – tempos jurássicos - e a música nos acompanhava pelas peregrinações que passamos a fazer.

Viajei para São Paulo numa sexta-feira e me hospedei na casa de Inês, na Vila Madalena. Só me transferi para o hotel na segunda-feira e foi pelas mãos da amiga que fui apresentada a uma cidade  maior que os sonhos que ousaria ter.

O deslumbramento começava pela própria empresa. Na época, dividida em treze endereços. Meu roteiro incluía conhecer a gráfica – e ficar boquiaberta com o processo estupendo de ver as partes que convergiam para o final apoteótico, resultando em uma revista – passava pelo estúdio fotográfico onde eram feitas desde as fotos de Playboy até as imagens que iriam ilustrar os pratos da Cozinha de Cláudia – que, aliás, conheci e onde almocei com a lendária Edith Eisler, uma espécie de Ana Maria Braga da culinária de revista.

Fui apresentada ao Dedoc – o Departamento de Documentação da Abril – que abastecia com pesquisas todas as publicações da casa; estive na DINAP, que à época fazia a distribuição de todas as publicações em banca, e tive o privilégio de almoçar no “roof” (o restaurante que servia aos executivos e convidados da empresa e ficava no topo do prédio da Abril, na Marginal). Pisei no território sagrado - o sexto andar – onde ficavam o presidente da empresa, Victor Civita, seu filho Roberto e os demais VPs. Fiquei deslumbrada. O local era como uma grande galeria de arte. Havia quadros que só vira em fotos. As secretárias eram senhoras formais, vestidas de maneira antiquada. Uma delas, Luiza Crema, posso dizer, tornou-se uma amiga. Uma pessoa que impressionava pela delicadeza firme e um sotaque particular. Durante todos os anos em que estive na empresa, sempre me tratou com gentileza, me mandando presentes e perguntando por meus filhos sem esquecer os seus nomes.

Conhecer a empresa e entender como ela funcionava foi uma experiência valiosa, mas as atividades extracurriculares foram as que mais marcaram minha passagem por Sampa. Encerrados os compromissos, eu corria para o hotel, tomava banho e pelas mãos da Inês era apresentada a outras nuances da cidade. O ritual começava quase que invariavelmente pelo “21”, um bar muito freqüentado por jornalistas. Inês é um pouco mais velha que eu e tinha histórias para contar. Seus amigos eram figuras importantes da imprensa brasileira, ou seja, para mim, a viagem continuava a ser aprendizado mesmo na balada.

Inês me levou a restaurantes que só conhecia pelas revistas, me apresentou ao Pirandello, um bar diferente de tudo que eu vira até então: um misto de boteco, livraria, ateliê e brechó. Por lá passavam as pessoas descoladas da época. “Assim é, se lhe parece”. Foi nessa viagem que pela primeira vez coloquei os pés numa gafieira: “A Sandália de Prata”. Voltava para o hotel tarde da noite, dormia pouco, pois havia muito para ver e viver. E eu... bem, eu era um “suburbano coração” aproveitando para beijar algumas bocas, "darling ...play it again", embora apenas uma, naqueles tempos, me tirasse os pés do chão.

No meio de tanta novidade eu cuidava de acompanhar a greve dos bancários e buscar os jornais de Brasília para saber se estava tudo bem. Será que o amor sindicalista não fora preso? De quebra, fazia malabarismos, carregando pelas ruas da cidade uma enorme e colorida pipa, que cismei presentear. Coisas estúpidas que se faz por amor, mesmo quando o amor acabou. Já passou. “Vai passar”!

Trabalhei mais de vinte anos na Abril e estive dúzias de vezes em São Paulo, mas aquela viagem foi um marco, um divisor de águas, mas como na canção, as pessoas e as lembranças são como as palavras: “saíram de cartaz”.

2 comentários:

Solange disse...

Que saudade !!

Assim como você eu também fui feliz na Editora Abril.

Passados 09 anos que sai ainda me pergunto por que tinha que ser assim (quase plagiando Adriana Calcanhoto.

Beijo,
Sol

Equilibrista disse...

Menina, sabia que só agora me dei conta dos motivos que me levaram a fazer aquela ligação de ontem? Acho que foi um resgate daquele tempo que teve mesmo, coisas muito boas. Inclusive o nosso amor. (rs)