sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A "cultura" é meu Lugar


Dia desses zapeando por alguns blogs li um post de uma pessoa que dizia gostar tanto de livros que adoraria viver numa livraria. Sou uma pessoa consumista e posso dizer, sem medo de errar, que a coisa de que sinto mais falta desde que deixei de trabalhar e, portanto, de receber salário, é da autonomia de entrar na Livraria Cultura e sair de lá carregada de livros. Lembro de já ter saído de lá com vinte livros. Um exagero!

É verdade que sinto muita falta de comprar sapatos, mas ontem, ao entrar na Cultura para comprar o livro “A Elegância do Ouriço”, cujo filme mencionei aqui, senti uma espécie de vertigem. Foi quase como o adicto de posse de sua porção de droga.

Deus! Eu poderia morar na Cultura. Dificilmente outro lugar me dá tanto prazer de freqüentar. É como ir à Disney. Eu fico atordoada e nunca estou certa de quais livros poderia descartar – ao ter a oportunidade de escolher uma dúzia – seria uma escolha difícil de fazer. Os de Paulo Coelho, com certeza não. Mas os livros exercem um fascínio sobre mim. E não falo isso com a pretensão da intelectualidade. Não. Longe disso. Hoje quando lia a “Elegância...” deparei-me com a seguinte ponderação: “Li tantos livros... No entanto, como todos os autodidatas nunca tenho certeza do que compreendi.Um belo dia, creio abarcar só com o olhar a totalidade do saber... depois brutalmente, o sentido se esquiva, o essencial me foge...” Eu sinto exatamente assim.

Sempre que ouço as pessoas falarem sobre seus sonhos e desejos não realizados penso que o meu seria ter uma casa que tivesse uma biblioteca enorme e um confortável divã. Eu não me importaria de passar horas a fio por lá. Sim, uma sala de cinema particular completaria o ambiente.

Em um lugar como esse, a frase de minha heroína do momento caberia muito bem: “Na segurança de meu espírito, não há desafio que não consiga enfrentar.” E claro, a exemplo do que ela preconiza, nesse espaço eu me tornaria "uma deusa invencível". Como em Pasárgada. O problema é que na vida real, não sou "amiga do rei".

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"DEGO"

A maternidade é um desafio, mas ser mãe de meninos exige uma dose diária de resistência: física e emocional. Nos primeiros anos a gente precisa estar em forma para correr atrás deles e não surtar diante das aventuras diárias. Isso implica aprender a conviver com sujeira, desorganização e brincadeiras bem diferentes daquelas do universo feminino. Uma coisa é certa. A gente sempre está com o coração saindo pela boca. São cortes, tombos, hematomas e essa nem é a pior parte.              

A despeito do desafio, sempre soube que seria mãe de meninos. Quando engravidei – acidentalmente – do Guilherme eu escolhi o nome e tinha uma convicção absurda de que seria um menino. E foi. O Rodrigo foi planejado. Passamos meses esperando que ele decidisse dar o ar da graça. Foi uma gravidez tranqüila e ao contrário do Guilherme que vivia em permanente rebuliço dentro de mim, Rodrigo era tão quieto, que dias antes de seu nascimento eu suspeitei que ele pudesse não chegar bem. Mas era o jeito peculiar do menino que nasceu de parto cesariano e que gostava de mamar e dormir. Era gordo e tinha os cabelos cacheados.

Desde pequeno via nele a projeção do filho intelectualizado, que o Guilherme, com sua travessura incansável, não tinha tempo e vocação para ser. Ele gostava de cinema e literatura. Nossa diversão favorita era pegar um anuário de cinema e marcar os filmes que já havíamos assistido. Ele sabia o nome de diretores, atores, e assistia a filmes complexos para a sua idade. Para compensá-lo eu via as produções “arrrasa quarteirão” e os inomináveis filmes baseados em games, que cá para nós, nem entendia.

Vivemos felizes para sempre até que ele chegou aos treze anos. Lembro-me bem. Foi como se naquele dia uma nave espacial tivesse levado o meu filho substituindo-o por um exemplar que eu não reconhecia. Apesar de já ter passado pelos desatinos da adolescência com o Guilherme, o que sofri com o Rodrigo foi “café pequeno”.

O resultado dessa fase difícil foi sua ida para Goiânia. Solução extrema para livrá-lo de um mal maior. Nos separamos por um ano e meio. Foi o pior período da minha vida, mas foi importante para que ele recolocasse os pés no chão.

Tivemos muitos sobressaltos, muitos embates, mas o que nos uniu, acima de tudo, sempre foi uma enorme cumplicidade. Aprendi muito com ele, embora discorde de suas teorias a respeito de uma dúzia de coisas. Admiro sua capacidade de liderança, sua perspicácia e, acima de tudo, sua capacidade de persistir quando quer alguma coisa. Ele é do tipo que não aceita um não. Detesta que seus defeitos sejam expostos. É vaidoso e como qualquer garoto de sua idade bebe da fonte da contradição. Muitas vezes o vejo repetindo discursos que já fiz no passado. Noutras, fico chocada com as semelhanças de temperamento que ele herdou do pai. Me divirto e me irrito quase na mesma proporção com suas provocações. Se eu tivesse que escolher uma característica que o definisse com precisão seria o de provocador nato.

Ele é do tipo que não pede desculpas. Que vive a ilusão de estar sempre certo, mas é amoroso - na sua forma peculiar de amar. Tenho comigo uma cartinha dobrada em vários pedaços de um dia em que ele me fez uma raiva tamanha que só me restou bater nele. Horas depois ele colocou debaixo da minha porta uma folha de papel na qual estava escrito “eu te amo” da primeira a ultima linha. É claro que nos abraçamos e ficou tudo bem.

Ele já me fez sofrer muito, por ele já derramei rios de lágrimas, mas o que posso dizer? Ele é meu filho e as mães estão sempre prontas a perdoar. É um “não perder a ternura jamais”. Hoje, ele me acompanhou numa consulta e me disse uma coisa que foi muito querida. Eu especulava como seriam meus filhos se tivessem outro pai. Ele falou assim: “mãe, independente de quem tivesse sido meu pai eu sempre seria seu filho. Essa foi uma escolha que fiz. Entre milhões de opções eu escolhi você. Se eu nascesse de novo escolheria outra vez.”

Ele me chama de “Dega”, não me perguntem o motivo. E eu o chamo de Dego. E apesar de todas as adversidades, de todos os dissabores eu sou obrigada a concordar que nosso amor foi uma escolha. E se eu precisasse sofrer tudo outra vez para tê-lo como filho, quer saber? Eu o escolheria. Eu tenho fé que aparadas as arestas ele, assim como o Guilherme serão sempre a minha razão de viver.

Te amo, Dego. Muito!


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre a tristeza e os "ouriços"


O dia não podia ser mais apropriado. Chuva. Sem parar. Uma chuva fina, fria, feito finados. Acordei triste. Uma tristeza insuportável. Há 41 anos morreu meu pai. É tempo demais. Uma vida, mas a dor continua. Então, fico pensando nas coisas pequenas que a memória conseguiu capturar. Nossos carinhos. As conversas, sobretudo, o humor inabalável do meu pai. Ele era do tipo que perdia o amigo, mas não perdia a piada.

Há momentos em que a memória me trai e nem sei mais se o que está na minha lembrança diz respeito ao meu pai ou ao meu irmão. Eles têm semelhanças impressionantes. Inclusive físicas. Portanto, há momentos em que não sei se estou recorrendo ao que me restou do meu pai ou se estou tomando emprestadas ações do meu irmão.

Enquanto me escondia no meu refúgio favorito: o quarto, buscava as lembranças do último dia em que estive com meu pai, mas tudo que me ocorre é meu irmão me chamando na madrugada para ir ao hospital. Lá chegando lembro que poucos minutos depois ele se foi. É uma lembrança que não se apaga. Minha cunhada me levando para fora do quarto e minha mãe gritando. Eu tinha nove anos e ele, 46. Duas idades em que nenhum de nós merecia esse sofrimento.

Pai, não queria que a lembrança de ti fosse de tristeza, mas não teve jeito. O dia foi mesmo para chorar. E como na tristeza eu sempre recorro ao “play” fui buscar conforto num filme que a Vivi me presenteou: “A Elegância do Ouriço”. Curiosamente, um filme que usa a morte para falar da beleza da vida. Fiquei tão encantada que se pudesse e não fosse tão tarde sairia agora mesmo para comprar o livro de mesmo título. E olha, hoje, um dos meus desafios foi comprar um livro para preencher o enorme vazio da minha vida nesses dias de espera e expectativa pela cirurgia, pela angústia do que me espera. Ler e ver filmes. Parece a vida que qualquer um pediu a Deus, mas até aquilo que queremos muito pode ser um fardo quando chega até nós.

“A sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes”.