domingo, 27 de março de 2011

CINZA DEMAIS PARA O MEU ROSA CHOQUE

Dia desses estava respondendo um recado deixado no Facebook quando fui surpreendida por um chamado de um ex-namorado. Conversamos rapidamente, o suficiente para que eu me lembrasse de uma passagem de nossas vidas. Eu vivia um momento de exuberância e ele tentava se recuperar de uma separação. Eu estava no ápice dos vinte e poucos. Ele passara dos trinta, já havia experimentado a viuvez e naquele momento terminava o segundo casamento. Estávamos em desalinho e não me sentia a vontade para colorir a palidez da sua vida. Sem dó, nem piedade, depois de ouvir pela enésima vez seus lamentos, disse-lhe: “desculpe, mas você é muito cinza para meu rosa choque”. Lágrimas correram largas pelo seu rosto de poeta triste.

De todas as pessoas com as quais me relacionei ele talvez tenha sido o que mais claramente tenha verbalizado seus sentimentos. Disse-me de várias maneiras as coisas todas que uma mulher aprecia ouvir. Escreveu-me cartas, poemas e um conto no qual, com delicadeza, narrou um fato de minha infância. Usou esse expediente para por fim à nossa história e com seu gesto – involuntariamente – contribuiu para que minha vida tomasse uma direção inusitada e meu destino fosse reformatado.

A vida fez com que nossos caminhos vez ou outra se encontrassem. Quando estava grávida de sete meses do meu primeiro filho, ele fez sua última tentativa de arrebatar-me. Procurou-me e disse que estava disposto a seguir em frente, mesmo estando eu a espera de um filho que não era seu. Disse-me que isso não seria obstáculo para me fazer feliz e que meu filho não teria menos amor. Mas era tarde demais para nós e assim, a vida seguiu.

Anos mais tarde, num encontro profissional, ele olhou-me com ternura e confessou que sempre pensava em mim e que eu fazia parte de suas melhores lembranças. Acho que chegou a dizer que fui o grande amor de sua vida. Mas como ele é poeta e teve muitos amores, achei melhor considerar aquelas palavras como um recurso de sedução tardia. Um galanteio de um homem que sabe falar de amor e não se furta a dizer, mesmo que não sinta exatamente assim.

Nossa conversa da semana passada foi dolorida, não porque reste em meu coração uma paixão recolhida, mas porque me lembrou do viço dos vinte e poucos anos, de como havia luz nos meus olhos e fogo no meu coração. Hoje, nesses dias lacônicos, nessa solidão e incerteza, dói-me perceber o quanto eu, que tinha tanta cor, estou demasiadamente cinza, diante do rosa choque da vida.

sábado, 12 de março de 2011

1984



Reencontrei Chico Buarque. Nas últimas semanas fui adquirindo os discos de uma coleção que reeditou alguns de seus trabalhos que eu só tinha em vinil. O último disco, um lançamento de 1984, além da boa música provocou uma avalanche de lembranças.

Fazia algum tempo que Chico não gravava. O disco traduzia as mudanças políticas que aconteciam no país, assim como minha vida  passava por transformações. Natural, pois, que as músicas se convertessem em uma espécie de trilha sonora desse período.

Em 1984, mais precisamente em maio, comecei a trabalhar na Editora Abril. Fiz minha estréia no mercado pelas portas de uma empresa reconhecida. Não era pouco para uma recém chegada a Brasília. Além de uma nova realidade profissional, precisava aprender, a duras penas, viver numa cidade completamente diferente, sem o amparo da família e juntando os meus cacos depois do fim de um amor.

Depois de alguns meses, parte do meu treinamento incluía passar duas semanas em São Paulo conhecendo as várias unidades e respectivas subdivisões da empresa. Como trabalhava na sucursal - que funcionava como um balcão de serviços para as demandas de todas as operações da editora - era importante conhecê-las.

Naquele tempo não havia Internet e nossas correspondências com a “matriz” eram realizadas por C.Is (comunicações internas), telefone, telex e os famosos “bilhetinhos”. A comunicação na Abril era informal. Havia uma troca constante de “bilhetinhos” e foi por meio deles que me tornei amiga da Inês, uma das jornalistas responsáveis pelo Almanaque Abril. Entre suas atribuições estavam as atualizações do anuário. As freqüentes revisões implicavam na troca de documentos e informações. Isso, tornou nosso contato regular e estabeleceu uma correspondência vigorosa que não tardou a se transformar em camaradagem.

Nos conhecemos em uma de suas vindas à Brasília e era natural que ela me recepcionasse na primeira estadia em São Paulo. Então, o disco de Chico Buarque cruzou nosso caminho. Foi meu presente para Inês – era um LP – que ela rapidamente gravou numa fita cassete – tempos jurássicos - e a música nos acompanhava pelas peregrinações que passamos a fazer.

Viajei para São Paulo numa sexta-feira e me hospedei na casa de Inês, na Vila Madalena. Só me transferi para o hotel na segunda-feira e foi pelas mãos da amiga que fui apresentada a uma cidade  maior que os sonhos que ousaria ter.

O deslumbramento começava pela própria empresa. Na época, dividida em treze endereços. Meu roteiro incluía conhecer a gráfica – e ficar boquiaberta com o processo estupendo de ver as partes que convergiam para o final apoteótico, resultando em uma revista – passava pelo estúdio fotográfico onde eram feitas desde as fotos de Playboy até as imagens que iriam ilustrar os pratos da Cozinha de Cláudia – que, aliás, conheci e onde almocei com a lendária Edith Eisler, uma espécie de Ana Maria Braga da culinária de revista.

Fui apresentada ao Dedoc – o Departamento de Documentação da Abril – que abastecia com pesquisas todas as publicações da casa; estive na DINAP, que à época fazia a distribuição de todas as publicações em banca, e tive o privilégio de almoçar no “roof” (o restaurante que servia aos executivos e convidados da empresa e ficava no topo do prédio da Abril, na Marginal). Pisei no território sagrado - o sexto andar – onde ficavam o presidente da empresa, Victor Civita, seu filho Roberto e os demais VPs. Fiquei deslumbrada. O local era como uma grande galeria de arte. Havia quadros que só vira em fotos. As secretárias eram senhoras formais, vestidas de maneira antiquada. Uma delas, Luiza Crema, posso dizer, tornou-se uma amiga. Uma pessoa que impressionava pela delicadeza firme e um sotaque particular. Durante todos os anos em que estive na empresa, sempre me tratou com gentileza, me mandando presentes e perguntando por meus filhos sem esquecer os seus nomes.

Conhecer a empresa e entender como ela funcionava foi uma experiência valiosa, mas as atividades extracurriculares foram as que mais marcaram minha passagem por Sampa. Encerrados os compromissos, eu corria para o hotel, tomava banho e pelas mãos da Inês era apresentada a outras nuances da cidade. O ritual começava quase que invariavelmente pelo “21”, um bar muito freqüentado por jornalistas. Inês é um pouco mais velha que eu e tinha histórias para contar. Seus amigos eram figuras importantes da imprensa brasileira, ou seja, para mim, a viagem continuava a ser aprendizado mesmo na balada.

Inês me levou a restaurantes que só conhecia pelas revistas, me apresentou ao Pirandello, um bar diferente de tudo que eu vira até então: um misto de boteco, livraria, ateliê e brechó. Por lá passavam as pessoas descoladas da época. “Assim é, se lhe parece”. Foi nessa viagem que pela primeira vez coloquei os pés numa gafieira: “A Sandália de Prata”. Voltava para o hotel tarde da noite, dormia pouco, pois havia muito para ver e viver. E eu... bem, eu era um “suburbano coração” aproveitando para beijar algumas bocas, "darling ...play it again", embora apenas uma, naqueles tempos, me tirasse os pés do chão.

No meio de tanta novidade eu cuidava de acompanhar a greve dos bancários e buscar os jornais de Brasília para saber se estava tudo bem. Será que o amor sindicalista não fora preso? De quebra, fazia malabarismos, carregando pelas ruas da cidade uma enorme e colorida pipa, que cismei presentear. Coisas estúpidas que se faz por amor, mesmo quando o amor acabou. Já passou. “Vai passar”!

Trabalhei mais de vinte anos na Abril e estive dúzias de vezes em São Paulo, mas aquela viagem foi um marco, um divisor de águas, mas como na canção, as pessoas e as lembranças são como as palavras: “saíram de cartaz”.

quarta-feira, 2 de março de 2011

AMIZADE É AMOR!


No processo de reclusão voluntária a que me submeti, vez por outra esqueço como é bom sair da caverna e me divertir. E falo de realidade e não de usar o cinema ou a literatura como escapismo. Dia desses fui ao shopping com a Solange. Fazia tempo que não me divertida tanto. Andamos pelas lojas que gostamos, compramos pequenos mimos, lanchamos, tomamos sorvete, café, e claro, fizemos piada uma da outra, talvez eu mais dela que ela de mim. Voltei alegrinha para casa, sentindo, mesmo que por breves instantes, que a vida tivesse retrocedido e eu fosse ainda aquela mulher tão cheia de alegria e desprendimento que hoje sinto não ser mais.

Hoje tive um revival. Numa conexão por Brasília, Viviane me concedeu a alegria de passar duas horinhas por aqui. Fomos ao shopping, almoçamos juntas, e também, por breves momentos, experimentei a sensação de pertencimento. De integrar o mundo, já que na maior parte do tempo eu assisto a vida passando e isso me incomoda e faz sofrer.

Eu sempre tive a sorte de ter bons amigos, e sem desmerecer as outras pessoas que amo, Solange e Viviane, são, com certeza, as pessoas com quem consigo estabelecer a mais absoluta conexão. Não que haja apenas concordância entre nós. Não que nunca tenhamos tido arestas para aparar, mas preciso reconhecer que são as pessoas que melhor me conhecem e que sempre, em todas as ocasiões, me acolheram de maneira absoluta e irrestrita. É para elas que corro para contar as alegrias, tristezas, as surpresas e decepções. É com elas que me permito ser, da forma mais intensa, eu mesma. Sem retoques.

Conhecendo a Solange, como penso conhecer, parece um milagre, que a despeito de nossas incríveis diferenças, possamos nos gostar tanto. Eu não costumo parar para pensar em outras vidas, não sou uma pessoa que se preocupa em desvendar esse tipo de mistério, mas sinto como se nossos destinos tivessem sido “traçados na maternidade”. É como se em todas as vidas que tivemos, se as tivemos, nossos caminhos tivessem se cruzado de alguma maneira.

No caso da Vivi o sentimento é ainda mais intenso, pois eu sinto por ela um misto de amor de mãe e de irmã. Não consigo nos ver como tia e sobrinha, mas como almas gêmeas. Nós temos opiniões muito próximas, uma cumplicidade que seria difícil explicar à luz da razão. Em algumas situações nossas histórias se misturam e sempre aprendo com ela, apesar de achar que devia ser o contrário. Para o dissabor de meu irmão, somos o que ele chama de “malucona” e “maluquete”. Duas faces da mesma moeda. É provável que ela esteja em franca desvantagem nessa comparação, mas me orgulho de nossas semelhanças e espero que a vida me permita ser cada vez mais como ela.

Sempre que possível essas páginas servem para expressar meu reconhecimento às pessoas que amo. Não sei que mérito isso representa para vocês, mas tenham certeza de que estão no topo do ranking do meu amor. Pode ser brega. Pode ser lugar comum, mas é sincero.