domingo, 3 de janeiro de 2010

Para o meu pai....

Hoje faz 40 anos que meu pai se foi. Incrível, parece que nem foi nessa vida. Parece que foi uma cena de filme ou de novela. Minha memória que é cada vez menos generosa é cruel com essa data. Eu me lembro de todos os detalhes. Ou de quase todos. Eu jurava que tinha sido uma segunda-feira e passei anos odiando as segundas por isso, mas descobri hoje que na verdade foi sábado. Vejam vocês. Aliás, as pessoas queridas gostam de ir embora aos sábados. Foi assim com meu irmão também.

Fui dormir tarde. Lembro que fiquei assistindo um daqueles seriados tipo: “Missão Impossível” ou “O Homem de seis milhões de dólares”. Cedinho meu irmão me acordou e disse que tínhamos que ir ao hospital. Lá, vi meu pai morrer. E essa não é uma cena fácil de esquecer. Meu pai foi um homem muito especial na minha vida. Talvez isso tenha contribuído para a minha procura incansável por alguém que pudesse ser um pouco como ele. Pode ser essa a razão de eu sempre ter desejado muito encontrar homens inteligentes e bem humorados, pois é assim que me lembro dele.

Não houve tempo para escolher a música que marcaria nossas lembranças. Não tivemos a chance de ver juntos o filme da nossa vida. Ele não indicou o livro que deveria estar na minha cabeceira. Não teve a oportunidade de me dar conselhos sobre o futuro, nem de me predestinar uma carreira. Eu só lembro que ele gostava que as pessoas se casassem. E que minha mãe sempre me dizia isso. “Se seu pai estivesse vivo ia gostar que você casasse”. Mas nunca indicou que tipo de homem faria dele um sogro feliz.

Meu pai não me incutiu uma religião. Sei que ele tinha uma queda pelo espiritismo, mas confesso que esse sempre foi um terreno de muito desinteresse para mim. Sei também que meu pai era um homem que gostava de política e nesse caso, eu certamente herdei dele esse gosto. Era um homem culto, apesar de não ter cursado uma faculdade, era esclarecido e fazia questão de se informar. Como eu, não era bom com dinheiro. Mas divergimos, já que minha mãe afirma que ele era um homem muito criterioso e zeloso com seu dinheiro e eu, uma consumidora compulsiva.
Sei que meu pai gostava de mudar, que não temia se aventurar, investir em coisas novas, mesmo que elas se revelassem apenas um castelo de areia. Sei que gostava de gente. Que valorizava a família e os amigos e que isso, muitas vezes, o fez refém de pessoas inescrupulosas.

Não há fotos nossas. Isso não é uma tristeza? Tenho fragmentos da nossa vida que se resumem muito a um dia em particular. Ele me levou ao Centro da cidade, à sede administrativa do governo para resolver alguns problemas funcionais. Esse é um dia emblemático para mim. Comemos frango assado no “Grego” e depois pudim na esquina da Anhanguera. Lembro que meu pai me apresentava orgulhoso pelo apelido com que sempre me chamou: “Aninha”. E que ao dizer que eu era sua filha, falava como seu eu fora uma espécie de prêmio. Eu me sentia verdadeiramente amada e só reencontrei esse sentimento novamente, o de fazer diferença na vida de alguém, quando tive meus filhos.

Não faço a menor ideia de como teria sido minha vida se ele ainda estivesse por aqui. Para ser franca, nunca parei para pensar nisso e quando o fiz, foi com a sensação de que talvez ele tivesse sido capaz de me proteger colocando-me numa redoma e se postando vigilante para afastar todos os perigos. O que convenhamos, é mais conto de fadas do que realidade. Acho que ele não seria tolerante com as minhas modernidades. Que não acharia graça de me ver levando um namorado para casa nos anos 80 e dizendo: “ele vai dormir comigo”. Isso certamente não seria fácil assim. Eu talvez fizesse um casamento convencional, pois afinal, ele talvez não conduzisse as coisas com as rédeas frouxas. Ou quem sabe, ele seria um grande liberal e tudo tivesse saído mais ou menos igual. Acho pouco provável que ele tivesse me deixado vir para Brasília. Era mais certo que com seus contatos, me arranjaria um emprego em Goiânia e que eu lá ainda estivesse. Vivendo como uma dona de casa abnegada, como foi a minha mãe.

Pai, como não foi possível fazer essa escolha com você, eu fiquei pensando que podíamos, a despeito da nossa separação, ter a nossa lista de preferências. Por isso, fiquei pensando que livro você diria para mim que era o seu preferido. E sabe, só consigo me lembrar das “Aventuras do Sr. Picwick”, de Charles Dickens. É divertido e inteligente. O filme foi mais difícil, mas imagino que embora você não tenha sido um romântico de carteirinha, que talvez pela grandiosidade da obra, “E o Vento Levou”, pudesse ser um filme que você indicaria. Como música, lembro vagamente de você cantarolar “A Banda”, de Chico Buarque, mas ainda acho que você estava mais para Pixinguinha, Noel Rosa, ou Ari Barroso. Mas lembrei também que você gostava de “Demônios da Garoa”, aliás, lembro de você cantando um pedacinho de uma música de Adoniran Barbosa. Difícil, pai. A música não está fácil. Talvez Burt Bacharach?

Com o sem trilha sonora, pai, seja lá como e onde você estiver, saiba que a vida poderia ter sido muito mais divertida com você. Haveria mais colos, mais cafunés, mais sonhos, mais risadas. Na falta disso tudo pai, só tem muita saudade.

Beijos.

Um comentário:

Bailarina disse...

Nossa! Que coisa mais linda! Sem contar que esse texto economiza pelo menos umas dez sessões de terapia!rs Bom, outro dia eu respondi ao Daniel, entristecido porque na sua opinião eu jamais poderia ter grande afeto pela sua mãe, já que eu não a conheci, com o exemplo do meu avô! Disse a ele que amava intensamente ao meu avôm sem que ele sequer tenha tido ciência da minha existência. É que, às vezes, uma ausência forte, deixa mais sentimentos na gente, né? Acabei de ficar sabendo que nosso querido gostava muito do Mazzaropi e do Grande Otelo!!! E, em música, acho que herdamos um pouquinho de sua marra, os eleitos, segundo meu pai são: Jair Rodrigues e Wilson Simonal!