domingo, 16 de novembro de 2008

“Tell me once again”




No meu tempo a escola era dividida da seguinte maneira: fazíamos o primário, depois o ginásio e na seqüência o colegial. Trazendo para os nossos dias, por volta de 10 anos ingressei na quinta série do ensino fundamental. Estudava perto de casa, na Escola Técnica de Comércio de Campinas, que chamávamos carinhosamente de "escolinha". A diretora, professoraVandy, foi a primeira pessoa que conheci que tinha ido ao Japão.

Nessa fase da vida eu desenvolvi a habilidade de ser amiga dos meninos. Era mais divertido, já que eles não viviam em disputas, não havia fofoca e tinham sempre ótimas piadas para contar. Lembro-me particularmente de três amigos: Cláudio Murilo, David Rios Pedroso e Luiz Cláudio. Estávamos sempre juntos. Eu e Claudinho então, éramos inseparáveis. Ele era gordinho e sabia matemática. Isso garantia um ótimo intercâmbio entre nós, já que eu era boa em Português e História. Eles iam com freqüência estudar na minha casa. Lá, fazíamos uma receita exótica: Bolo de Coca-Cola. Acreditem: era muito bom. David era um menino rico, e sempre reclamava que tinha de bater as claras até deixá-las em ponto de neve. "poxa! na minha casa tem batedeira, é muito mais fácil". Mas na minha não podíamos ter esse luxo ainda.

Tinha outros amigos: Breno Silveira, um garoto lindo de olhos azuis. Depois vieram a Lia Mara, Beto, Cida e Raquel. Estabeleci grande afinidade com a Lia. Foi com ela que pela primeira vez na vida fui a um clube, uma experiência tão maravilhosa que claro, peguei insolação.

Vivíamos juntas. Ela era mais ousada, tinha roupas bacanas e lembro que sempre me emprestava um vestido vermelho de malha que me caia bem. Na casa dela fazíamos coquetéis de pêssego com cidra e ficávamos leves... De vez em quando a gente brigava, porque ela era ciumenta e possessiva.

O Beto era um cara divertido, um pouco mais velho, que vivia imitando o jeito que eu arrumava meu cabelo. Como era muito curto eu tinha mania de ficar passando a mão e tentando mantê-lo sob controle. Chamava a Lia de “Luizão Pereira”, nome de um jogador de futebol da época, porque ela pisava prá dentro. A melhor parte de conhecer o Beto foi quando sua prima, Cida, Iracema Aparecida, veio estudar com a gente. Era fanfarrona e minha mãe a chamava de “bandoleira”. Estar com ela era sinal de boas risadas. Tinha uma descontração do interior e vinha de uma família muito agradável. Eu gostava muito de seus irmãos e, principalmente de seu pai. Seu Hélio era farmacêutico e um ótimo piadista, além de ser muito carinhoso conosco. Tinha os cabelos muito brancos e era um homem culto. Raquel era irmã do Beto e sempre foi uma pessoa difícil de lidar.

Nesse tempo minhas férias tinham destino certo: Uruaçu. Cidade do meio norte de Goiás. Lá morava minha tia Deolvira e minhas primas: Neide, Zezé, Mônica e Márcia, que nessa ocasião, não estou certa se já tivesse nascido. Minha afinidade era com a Zezé, que era um ano mais velha e com quem tinha grande semelhança física. As idas a Uruaçu trouxeram novas amizades. Uma delas, Gildecy, era muito querida. Seu pai tinha uma loja e ela vivia nos presenteando com cortes de tecido. Ela era divertida, não era bonita, tinha um jeito meio apatetado e padecia de um problema complicado. Sofria de incontinência urinária. Não importava o lugar, ela sempre fazia xixi nas calças. Quase sempre depois de uma crise de risos, e nessa época tudo era motivo para gargalhar.

Nosso programa favorito na cidade era ir ao cinema, tomar sorvete no bar do Anacleto e sentar pelas calçadas em rodas para conversar e flertar. Naquele tempo, começara o interesse pelos meninos. Havia também as festinhas onde dançávamos, tinham as idas ao Rio para tomar banho e as aventuras a bordo de uma caminhonete C10, do Carlos Alberto, que namorava minha prima Neide, um cara hiperativo, divertido e maluco. Andava veloz, fazia o que chamávamos “cavalo de pau”, curvas perigosas cantando pneus e claro, a gente adorava. Embora minha tia não visse a menor graça. Foi com ele que dancei “junto” pela primeira vez. Aliás, nesse mesmo dia estreei meu primeiro sutiã. A música era um clássico romântico da época: “Tell me once again”.

Menos românticas eram as festas que fazíamos de forma improvisada e que compreendiam a seguinte estratégia: os meninos pulavam o muro, invadiam o quintal de alguém, roubavam uma galinha e as meninas faziam uma “galinhada”. Simples assim. Divertido assim.

O primeiro flerte foi com um cara chamado “Toninho”, um quase negro de pernas muito bonitas. Quando minha “vó Anjinha” soube ficou muito triste. Ela, que tinha mais que o pé na África não gostava de negros. E nós, suas netas, parecíamos naquela época bem inclinadas a promover a mistura de raças.

Nas férias, algumas vezes fugia do circuito Uruaçu e ia para Caldas Novas. Eu e minha prima Zezé. Em Marzagão, lá pertinho, ficava outra prima, Maria Ruth. Ela era muito exuberante. Tinha cabelos pretos compridos, um corpo escultural, mas era bem caipira. Achava-me esnobe porque ao contrário dela e suas amigas que devoravam revistas de fotonovela, eu gostava de outro tipo de literatura. Aliás, numa dessas férias estava lendo “O Conde de Monte Cristo”. Hoje penso que isso podia mesmo ser uma bestice.

Em Caldas tinhamos - Zezé e eu - contato com meninos cujas famílias do interior de São Paulo, gostavam de veranear por lá. Uma coisa bizarra, considerando que calor e água quente parecem uma combinação fora de propósito. Lembro-me de um garoto em particular. Walter Borini Matez, nunca esqueci o nome porque para mim, parecia nome de príncipe. Ele era loirinho, de olhos verdes e morava em Mogi das Cruzes. Os amigos o chamavam Waltinho e eu acabei por apelidá-lo de Tim. Foi com ele que troquei o beijo mais inacreditável da minha vida. Nada de pegação, um beijo puro, mas que durou um tempo enorme. Era como se a gente tivesse entrado numa outra dimensão de tempo e espaço. Acho que o beijo foi bom, porque durante anos trocamos cartas e mandamos fotos um para o outro. Até que um dia, bem, um dia a gente se perdeu.

A adolescência é uma fase demasiado longa. Levou um tempo enorme para ter quinze anos e depois, uma eternidade para chegar aos dezoito. Mas entre uma idade e outra, muita água ainda ia rolar.

2 comentários:

Bailarina disse...

Eu já sabia de todas essas histórias, mas confesso que em prosa elas ficam tão boas quanto faladas por vc! Agora, bar do Anacleto e Carlos Alberto dando cavalo de pau foi muito pra minha cabeça! Também, o que é que se poderia fazer em Uruaçu nos anos 70? Fala sério! Beijos saudosos! Em tempo: sobre a ajuda cibernética, prometo mandar o email, é que ando solicitada para todos as espécies de fins, tipo: ajudar meu pai a escolher um tênis novo e etc... Rs

Equilibrista disse...

Querida Bailarina, prá você ver, nos anos 70 isso era super, hiper, advanced, plus!!! Pelo menos tire uma xerox colorida do tênis. Caso contrário podem vender uma "conga" pro seu pai. (rs)