terça-feira, 22 de junho de 2010

Para Helô!


Hoje foi um dia especial. Nos últimos meses tenho vivido quase reclusa. É o principal ônus da depressão: limitar o mundo às paredes da minha casa. É como caminhar em terreno seguro. Sem surpresas. Mas hoje sai para almoçar. Beirando os cinqüenta anos, tenho a alegria de ainda ter amigos e de poder passar com eles, momentos de descontração.

Esses, são amigos que conquistei na docência: Alceu, Daniel e Giovani. Deveriam estar por lá, a Silvia e Graça, mas elas tiveram um contratempo. O encontro foi marcado para aproveitar a presença de Giovani na cidade, já que ele nos deixou para ir morar em BH. Esse é um grupo responsável por ótimos momentos que já vivi. Eles chegaram à minha vida, quando eu pensava que não haveria novas amizades, que as mais importantes já haviam sido consolidadas. Foi bom, muito bom saber que a despeito da idade, sempre é tempo de ver novos amigos chegar.

Embora nosso encontro tenha sido uma delícia, escrevo para falar de uma amizade do passado. E ser do passado não significa que já era. Conheci essa amiga nos meus primeiros dias de Brasília. Me lembro como hoje do nosso primeiro encontro. Eu estava às voltas com um cara que hoje poderia ser classificado como um “ficante”. Saímos, fomos a um bar e sentamos numa mesa próxima de uma floreira. De repente, um carro invadiu o lugar, derrubou as mesas – melhor, esmagou as mesas – e meu amigo só teve tempo de me empurrar para o lado para que eu não fosse o próximo alvo do carro desgovernado. Resultado: uma garota tinha pego o carro do namorado e como não sabia dirigir, fez uma confusão básica de pedais: ao contrário de usar o freio, mandou ver no acelerador. Por pouco não causou uma tragédia. Eu sai arranhada, assustada e para não perder a noite, fomos a outro bar. Foi lá que conheci Heloisa. Na época, ela namorava um amigo desse meu “ficante” e tivemos uma empatia imediata.

Eu morava sozinha num pequeno apartamento na Asa Norte. Ela, numa bela casa no Lago Sul. Eu andava de ônibus. Ela dirigia o carro do pai, um Landau. Ela tentava convencer o Renato que o amor deles era prá sempre. Eu tentava salvar um amor que agonizava. E nenhuma de nós se dava conta do óbvio: antes de amar tanto aqueles homens, precisávamos gostar um pouco mais de nós.

Tivemos encontros memoráveis. Como num dia em depois de uma briga com o Renato, saimos e bebemos mais de vinte chopps. Algo impossível de imaginar nos dias de hoje. Depois, numa ressaca monstruosa, fomos ávidas procurar uma coca-cola.

Mas uma das lembranças mais divertidas que tenho dela, foi de uma viagem que fizemos de ônibus para Goiânia. No trajeto, cansadas, só queríamos dormir um pouco, mas uma criança não parava de chorar. Ela repetia, quase como um mantra, a mais escatológica das expressões: “mãe, eu “qué coco, mãe eu qué coco”. Depois de escutar essa besteira pela décima vez, Heloisa não se fez de rogada e falou bem alto: “minha senhora, dá logo coco prá ver se essa criança para de chorar”. Contando assim, parece piada, mas aconteceu. E eu nunca me esqueci.

Durante a minha gravidez, Helô foi companhia habitual. Almoçávamos juntas, íamos ao clube, e quando o Guilherme nasceu e precisou de três intervenções cirúrgicas, ela estava lá. Foi ao hospital doar sangue para o meu filho.
Quando o namoro com o Renato terminou, ela foi morar em Araraquara. Embora já fosse uma jovem mãe, peguei um ônibus e fui passar um final de semana por lá. Nunca me esqueço de chegar e encontrá-la loira. E claro, levar um susto. De repente, depois de dormir para descansar, acordei e ela já estava de novo morena. Meu olhar de surpresa foi a deixa que ela precisava para entender que tinha sido ousadia demais.

De vez em quando a gente se perdia e se encontrava, mas a distância nunca foi obstáculo para a amizade que construímos. Um dia, quando há muito não tinha notícias dela, entrei no banheiro de um restaurante. Tinham algumas mulheres conversando e ao entrar numa das cabines ouvi a sua voz. Foi uma coisa incrível ouví-la falar: “amiga na vida, eu só tive uma: a Ana.” E desandou a falar de mim de uma forma muito carinhosa. Foi emocionante. Quando ela me viu, foi surreal. Coisa de amigo. A gente chama, ele vem. Para mim aquela foi uma das mais sinceras declarações de carinho. Alguém que fala de você, sem ter a menor ideia de que você possa estar por perto e marca, para sempre, o seu coração.

Depois, a Helô casou com o Roberto. Eu fui ao casamento que foi lindo. Nos vimos uma outra vez, e perdemos contato. Anos adiante, encontrei a mãe dela e soube que ela tentava engravidar, mas sem sucesso. Conversamos por telefone e ela me disse que estava cansada, o tratamento era doloroso e os resultados não eram promissores. Falamos de adoção. E foi com o coração aos pulos, que meses mais tarde fui surpreendida por ela, emocionada, me contando que a Luiza ia chegar. Era a filha que Deus lhe mandara. Depois disso, nos perdemos de novo. Foram alguns anos sem contato.

Ano passado recebi, com surpresa, um recado pelo Orkut no qual ela nos resgatava. Soube que ficara viúva, tive notícias de seu sofrimento, e de que ela agora vivia em Santos com a sua Luiza. Trocamos fotos, relembramos nossas estórias e quis a vida que apesar dos atalhos, nossos caminhos voltassem a se cruzar. Agora, falamos regularmente por e-mail, eventualmente por telefone e já nos prometemos uma visita.

Hoje, o primeiro e-mail que li foi o dela. Nele, me conta com entusiasmo, que um amor da adolescência reapareceu e que está namorando. Fiquei profundamente feliz. Feliz, porque ela é uma mulher jovem e bonita que merece recomeçar. Feliz, porque espero que possamos sentar qualquer hora e dar risada das nossas aventuras do passado. Feliz, porque a vida tem sempre um novo capítulo, mesmo quando a gente imagina que chegou à última página.

Heloisa, nesse “Diário” tenho falado de mim e das pessoas que gosto. É justo que você esteja aqui, pois foi, é, e sempre será parte da minha história.

Um beijo, querida. Seja benvinda e que dessa vez, seja para ficar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Oi minha amiga querida!!!! Bom dia!!!
Nooooooooooooooooossa que emoção você me fez sentir... lendo o que escreveu no seu blog e mais, como descreveu..., você me levou às lágrimas e também a gargalhadas... quando descreve o episódio de Goiânia... demais não é???
Muito obrigado por descrever a nossa amizade de uma forma tão linda Ana.... você é muito especial mesmo.
Eu somente tenho que agradecer a Deus por ter colocado você na minha vida... uma amiga para sempre.. com uma sensibilidade singular.
Agora sou seguidora do seu Blog... aposto que ainda vou rir muito com as suas estórias.... muitos beijos.

Solange disse...

Ana,
Temos que achar compensação pra tudo nessa vida, né mesmo?
Então, pense que suas noites insones estão servindo para que você escreva os mais belos depoimentos sobre sua vida.
Claro que eu gostaria muito que você estivesse descansando nas madrugadas frias que temos tido, mas, se não é assim....escreva, escreva muito e belamente.
Beijos,
Sol

Bailarina disse...

Poxa, era muita amizade mesmo, né? Porque pegar aquele ônibus de Bsb pra Gyn era a coisa mais tenebrosa desse mundo! Especialmente qdo ele dava aquela parada em Alexânia...Ai, Jesuis!