quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Na alegria, na tristeza, na saúde e na doença"


Faz tempo que quero te escrever. Aliás, você deveria ter sido um dos meus primeiros registros nesse diário. Sei o quanto se ressente de já ter lido aqui, declarações de amor a amigos e parentes. Sei quantas vezes se perguntou e me perguntou por que razão nunca havia mencionado a nossa história. Eu não te escrevo para justificar. Você sabe, o sentimento tem um tempo particular e caprichoso. Acordei nessa noite fria e ao tentar fazer frente ao enorme turbilhão de pensamentos, me dei conta de que precisava levantar, mesmo estando tão quente o seu pé junto ao meu, para te escrever.

Certo dia, numa das sessões de terapia que fizemos para tentar organizar a nossa desordem emocional, fomos surpreendidos por uma pergunta. Não sei se você pensou nisso em algum momento, mas para mim esse se tornou um tema recorrente. A pergunta era: “é fácil identificar os motivos para separar vocês, mas o que os mantém juntos”?

Talvez sejamos o casal mais imperfeito que já andou por esse mundo. Costumo dizer que se eu ganhasse uma moeda de dez centavos todas as vezes que disse que queria te deixar, poderia ser uma mulher rica. Foram muitas mágoas, minhas, suas. Como na canção do Chico, “com todas as palavras feitas para sangrar, já nos cortamos”. E como nos cortamos, mas continuamos aqui. E agora, nesses dias em que me surpreendo tão frágil, percebo que você é uma parte essencial da minha vida. Responder aquela pergunta da terapia fica fácil: o que nos mantém juntos, é amor. Um amor imperfeito, um amor desconjuntado, um amor que não é como aquele que eu sempre sonhei. Aquele dos romances de Hollywood. Nosso amor não tem fundo musical, você está longe de ser um príncipe encantado, eu estou mais próxima da Fiona, de Shrek, nosso reino está em frangalhos, mas cá estamos.

Nossas cenas não acontecem em cenários idílicos. Nosso castelo é um amontoado de desordem, mas não há hora mais alegre do que aquela em que nos deitamos e você me acolhe e pacientemente, aceita que eu me enlace nas suas pernas e toque seus pés e te abrace forte, para ter certeza de que nenhum fantasma venha me surpreender. Embora, vez ou outra isso seja impossível de evitar.

Eu te agradeço por secar as minhas lágrimas, por responder mil vezes, quando eu chamo seu nome, apenas para ter a segurança de que está perto, pelas horas que você passa procurando incansável, pelo filme que poderá me distrair um pouco. Agradeço por se preocupar com os meus remédios, por sair cansado do trabalho e ir ao supermercado e apesar disso, sentar e assistir a mais uma sessão de cinema.

Sou grata pelas deliciosas horas que passamos tentando decifrar os mistérios de LOST, por ter sido um parceiro fiel nas desventuras de Michel Scofield e Lincon Burrows. Eu te agradeço por ter assistido duas sessões seguidas de “Quantum of Solace”, só para eu experimentar a adrenalina de ver Bond, James Bond, destruindo carros e despachando tiros. Sou grata por te ver enfrentando a trama batida da novela das oito, só para estar comigo.

Eu te agradeço por todos os “eu te amo” que você me disse, mesmo de forma cifrada, porque sei que são palavras que você não foi preparado para repetir. Eu te agradeço por correr para o computador para achar um livro que preciso para uma aula. Te agradeço por ter me surpreendido com os filmes: “Antes do Amanhecer” e “Antes do Por do Sol”, que vieram com um lindo cartão num dia dos namorados. Eu te agradeço por ter me oferecido como primeiro presente do dia das mães, uma máquina de lavar roupas que veio acompanhada de um ingresso para assistir um espetáculo de Denise Stoklos. Eu agradeço por ter me brindado com uma estupenda apresentação do Balé Nacional de Cuba, e por ter me permitido ver uma apresentação do Bolshoi. Não vou me esquecer daquele dia, que sem motivo aparente, você me trouxe um disco de Nana Caymmi.

Jamais me esquecerei da sua persistência, correndo por cidades satélites a procura de leite materno para nosso filho. Das situações bizarras que precisou passar por conta disso. Das suas mãos suando cada vez que o Dr. Nelson olhava com aqueles olhos de cifrão e você não se abatia indo a luta para que nosso filho pudesse viver.


Eu te agradeço por ter ficado naquela fila imensa, subornado e moça da frente, só para que eu pudesse assistir as apresentações do Drexler, no CCBB. E como posso me esquecer de ter ido ao Canecão para ver meu ídolo, graças a você? Eu te agradeço pelo aniversário surpresa, anos atrás, quando você usou sua restituição de imposto de renda para reunir meus amigos. Eu te agradeço por ter tido sempre tanta paciência quando eu fazia minhas farras do cordial, e aquelas amigas barulhentas tomavam conta da nossa casa. Agradeço pelos charutos que você saiu para comprar, porque cismei que precisava desse ritual.

Eu te agradeço por aquelas férias inesquecíveis em Maceió, João Pessoa e Natal, quando você não mediu esforços para que eu, apesar do barrigão de sete meses, pudesse me divertir. Por todos os presentes que sempre fez questão de me oferecer, mesmo aqueles que eram dois números menores que o meu. Nunca vou me esquecer das travessuras e gostosuras pagas com notas de 100 dólares, quando a gente nem imaginava que a vida ia ser tão dura.

Quem diria que íamos empurrar uma Belina velha, que recorreríamos ao “Peixe” para os dias de vacas magras. Lembra daquele crepe dividido numa lanchonete de São Paulo? E do edredon que você trouxe, quase como um pedido de casamento? Lembra da arara colorida e do brinco verde que me deu no nosso primeiro natal?

São muitas as coisas que gostaria de te dizer e isso não apaga os momentos ruins. Eles foram caudalosos também. Mas agora, que estamos caminhando para o outono de nossas vidas, do que adianta lamentar o que podia ter sido e não foi?

Obrigado por estar ao meu lado mesmo que eu seja “um time” a caminho da terceira divisão. Eu sei que os últimos dias têm sido particularmente difíceis para nós, mas oxalá, como tantas vezes, a gente consiga se reiventar e que as últimas palavras que eu escute, antes de ir embora dessa vida, seja você me chamando de flor.

Te amo! E entendo agora que o nosso encontro foi uma predestinação. Estava mesmo “escrito nas estrelas. Tava sim”.
Beijo.



4 comentários:

Unknown disse...

Flor,
Você falou com “muita propriedade” da nossa história! Mesmo não sendo um romântico hollywoodiano, fiquei muito emocionado.
Te amo! Beijos...

Solange disse...

Amiga,

Sei a delícia que é se redescobrir amando.
E que agora seja pra sempre.
Seja feliz!!
Beijos,
Sol

Equilibrista disse...

Estamos treinando e indo muito bem. Se ele quiser, será para sempre, pelo menos enquanto durar.

Bailarina disse...

E precisa dizer que eu chorei? Chorei mesmo, porque participei muito disso tudo, na alegria e na tristeza! E fico muito feliz de ver que vcs chegaram lá!! Isso, tia! Não estamos longe do que é ser feliz! Não precisamos de enredo, não precisamos de grandes cenários, precisamos saber amar e saber ser amado! Só! Aqui faz uma noite gelada, 4 grauzitos e eu estou feliz porque a minha caminha tá quente e eu tbem tenho um pezinho gripado para aquecer! rs Bjs, amo vcs!